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sexta-feira, novembro 24, 2006

O caso está na novela.
Ana Cristina foi vítima de nosso elitismo.

Os gregos tinham consciência disso. A comunidade é um fato e não distribuir a renda é criar violência. Os liberais sem liberalismo agem como se o mundo fosse de proprietários rurais livres e empreendedores que querem "liberdade" do Estado Absolutista-Comunista, mas, com 2.000 favelas em São Paulo, como nos lembrou o governador Lembo no Jô, parece que seria impossível viver num mundo sem dar nada de graça a ninguém. Porque de fato, pelo menos o imigrante miserável ganhou a terra, e o escravizado perdeu a sua.

A violência do Estado mínimo – o RS deveria ter 11 mil policiais, mas tem a metade- se reproduz na violência de que os milionários estão isentos de impostos.“Quase 14 milhões de brasileiros passaram fome em 2004.”

Paulo Freire, quando foi secretário da educação de São Paulo, pensou que as escolas eram vítimas de depredação como uma resposta à violência quotidiana em que vive a população pobre deste grande centro urbano. Ele não falou da violência simbólica, não ter um lugar na vida conceitual nacional, mas ela está em tudo isso.

Ou seja, existe um fato real de violência constante: a violência da ausência, do elitismo, da concentração, da novela onde todo mundo é branco e anda de Mercedes (aliás a novela debate o caso, o Leblon se salva e “o resto da cidade faz promessa pra ver se chega vivo em casa...”), a violência da publicidade (todo morador de vila que conheço se sente o mais infeliz dos homens se não tem uma TV 29 polegadas ou um “som”, ou um celular de câmera- sem isso você é ninguém)...

É a força opressora da propaganda criando consumismo inútil que não melhora a vida de ninguém, e Estado mínimo onde as agora vítimas ganham isenções, o que faz faltar dinheiro para educação pública e conseqüente participação democrática... Como teremos controle público para que a democracia não se torne uma ditadura de comerciantes se o público é miserável?
Ausência simbólica, reação. O pobre se torna ignorante remediável ou explorado romântico, nunca alguém vivo e ativo, com todas as necessidades que tem a classe média, shampoo, caneta e livro.O revólver é sua marca de “entrada” como ator. O povo não existe.

Paulo Freire também nos lembraria da necessidade de uma moral de fundo que dê valor às nossas ações. Sem o cristianismo (longe das regras contra a carne) com sua idéia de caridade, não existiriam nem a vontade de vender, nem a redistribuição dos lucros, que mantém a paz. Se você não tem interesse pelas pessoas nem saberá o que elas querem comprar... É aí que a questão social se torna ética.

"Os presos ficam aí, ganhando comidinha de graça" -me diz um jovem de 16 anos. (4 mil em Charqueadas, onde poderia ter 1.500). "É bom pra nosa imagem ter uma grande empresa no estado, mesmo se não pagar impostos; gera empregos (?) e dá confiança a outros negócios (?)"- diz uma amiga. Não existe opinião pública.
Se ninguém tem interesse pelo povo quem vai gerar informação para o bem do todo?
Se não existe o “público” deixemos o país ao abandono, façamos a gritaria ao redor dos investimentos de Lula em infra-estrutura, salvação de estômagos, redistribuição periférica da verba de cultura.

Infelizmente o Brasil não percebeu o seu elitismo, seu europeísmo ridículo, a forma como um Mercedes Benz ML 500 afronte um miserável com bicicleta.Estamos fartos de teorias impostas hierarquicamente, de intelectuais sabe-tudo, de consultores de empresa, de gênios da nova era.
Se as pessoas estão reagindo ao abandono (“A bronca deles não é somente contra os atos da polícia, existe uma insatisfação social”, ou a guetização (“mataram 117 pessoas no Estado, o que dá uma média de 1,3 pessoas mortas por dia em ‘confrontos"), a questão volta a ser de postura, moral. A postura do medo do outro.

2- Ausentes

Parece outro assunto, mas não é.
O alinhamento no século XIX da religião com o estado absolutista e uma ordem moral conservadora nos levou agora a hiper-reação do anarquismo epistemológioco e do medo de propostas éticas: de deveres-ser provisórios, de algo que vem do trancedendente assim como a hipótese científica, de afirmações mesmo. Nosso capitalismo degenerou em guerra de todos por falta de coragem de se limitar, por falta de limitação exterior, eticamente colocando a sociedade como outro ator ao mercado.

Perdemos o interesse pala comunidade, pela cidade, pela família, como se o consumo do filho no seu quarto cheio de eletrônicos e do pai-carteira fosse nos tornar felizes. Esquecemos o velho estar aberto às pessoas, o interesse com responsabilidade, dizer ao filho “não você não vai sair hoje, porque eu sou seu pai e não quero; posso estar errado, tenho experiência e é melhor errar um pouco que errar muito; te amo e quero o melhor pra você!”

Interesse. Vida de trocas.
É preciso ter coragem não de ser autoritário, intransigente, mas dentro de uma relação de amizade e troca, defender seu amor com força, e se o perigo for grande, usar o poder econômico (por que não, antes isso que criar um profissional que não sabe limites, um mimado drogado): “se você insistir eu te ponho na rua”. Apatia medrosa, abandono ao marketing, amor demais, matam, sim.

O autoritarismo é pior quando vindo da “esquerda” ativista, sem vontade de ouvir ou com complacência moderninha, por faltar um compromisso de auto-revisão constante. Por exemplo, quanto a forma de implementação das disciplinas transversais nas escolas, dentro dos novos Parâmetros Curriculares Nacionais- um avanço enorme, principalmente na visão de o que é importante na escola, mas que requer cuidado. Como diz o professor Ulisses Ferreira Araújo: “Ele pega uma idéia que acha boa e impõe às pessoas, então, ou elas se adaptam ou estão fora do mercado de trabalho.”

Se realmente o objetivo da escola passa a ser a cidadania, o respeito às pessoas, não posso querer chegar aí pela via da Língua Portuguesa, como foi sugerido, cujo objetivo é a gramática, a não ser modificando o próprio sentido de currículo e pensando em modificar o vestibular, ou a integração no mundo do trabalho. Revisão pela metade só cria dualismo incontrolável. Confesso minha ignorância no assunto, pode ser que amanhã venham e me provem que dá certo... Transversal é "o professor de matemática vai ter que também trabalhar a sexualidade e a partir do seu conteúdo?"

A matemática tem uma estrutura própria, não se pode parar a todo momento para trabalhar com uma conta de luz e dái discutir a minha cidadania, como disse o educador.

Qualquer não-pedagogo pode ver o hilário do professor de matemática trabalhando sexualidade (“se uma adolescente tem três namorados e cinco ficantes, quantos parceiros ela teve por mês?” ou “quanto ela vai gastar de fraldas?”)

Essa pedagogia acaba sendo a velha disciplina foucaultiana criadora de normas rígidas, pelo menos no dia-a-dia: o sabe-tudo ético e politicamente correto vem e destrói qualquer opinião dos ignorantes antiquados.
Pois é, diálogo (principalmente o diálogo pelo diálogo, estéril, sem uma base real de informação, direção, sobre o que dialogar, num mundo sem informação- "o professor sem esquer seu papel" como diz o professor pernambucano) não pode ser uma imposição de modo que Paulo Freire se torne uma outra forma de "condução" e esquecimento do povo.

Que medo do idealismo (jornalismo, publicidade, pedagogismo...) que se torna dogmatismo.
Estar consciente da violência quotidiana flexível e mutável – na nossa casa, no nosso mundo- é o primeiro passo para que alguém não morra por ter demorado para entregar um relógio.

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