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terça-feira, dezembro 30, 2008


Diamantes

São um milhão em São Paulo.
São 8 mil, eu li no jornal.
Um milhão. Mas não só mendigos de rua, “sem-teto”, como é politicamente correto. Os favelados estão no “milhão”.
São Paulo sustenta esse país. A gente que trabalha... eles vêm de onde?
De onde não tem comida.
Claro! Mas a cidade não dá conta.
Molhou a mão na psicina. Maldita hora seu pai a obrigara a ficar na festa com os amigos esnobes.
47%, sabia? 47% da renda. Com 10% da população.
Você quer casar comigo?
Não seja ridículo.
Metade queria, ser fraca.
Ok. Então, e os outros?
Outros?
Você nunca leu Lacan? Os outros, aqueles que você pensa que são você. Comprei na Cultura.
Não seja riículo.
A noite estava preto e branco, folhas e grilos.
O brasileiro é preguiçoso por natureza. O governo fica dando bolsa isso, bolsa aquilo... vão ficar acomodados só mamando...
Essa gente come torrão de açúcar e pede comida na esquina.
E adianta dar teatro pra essa gente? Se der comida vão jogar um no outro. Essa gente tem de dar passagem de volta pra sua terra.
Nazista.
Grilos, lua com pingos.
Somos jovens, precisamos de sexo.
Você não é tão jovem. Passou dos 30.
Mas preciso de sexo. E sai muito mais barato, para mim, pelo menos.
Tá bom.A água da pscina ficou cheia de bocas.

O Muro

- Fala inglês?
- Já leu Clarice Lispector?
- Passou no vestibular?
- É magro?
- Tem internet?
Essas eram as perguntas. Para entrar. Uma pessoa podia responder não a uma delas. O muro tinha 6 metros de largura. Chumbo em ambos os lados.
Quem passasse, chumbo. A cidade ia ficando mais cinza a cada dia. Lixo pelas ruas. Homens magros estendendo a mão. Carros prateados, impenetráveis.
Crianças negras dormem sobre o metal da Paulista.
No bairro pobre, milícias armadas tomam as casas. Grupos sem-teto protestam frente ao Banco de vidro, a polícia usa o gás fatal. O muro segue, dentro, pessoas nervosas votam no líder forte. Aceleram a construção, grupos protestam, são chamados "retrô" pelos jornais.
Cada pessoa, para entrar na Grande Loja do Dentro, deixa seu cérebro, depois sua língua, finalmente mãos e olhos e ganha jogo de futebol, seriado americano e DVD.
A marcha vai até a Livraria Cultura. Intelectuais pararam tentando impedir o muro.

Alameda Glete

Para Ana Maria Alfonso-Goldfarb

Acabara de sair da exposição do Einstein. Lembrara que matéria e energia são a mesma coisa e que a viagem no tempo é possível. Caminhando distraidamente pela São João, pensei que adoraria voltar ao glamour dos cinemas de gala, barquinho, violão. Minha intenção também era descobrir o segredo de Alexandre. Um cofre de ouro, com o segredo alquímico, que Alexandre Magno mandou ocultar no mosteiro de Amorium, na Frigia, segredo que Aristóteles aprendera de Apolônio, o qual o descobrira na Babilônia, onde Hermes I o escondera quando de um grande dilúvio. Se minha mente, por um segundo, lembrou de Caetano, pensou em ir na Sala São Paulo, não sei. Entrei na alameda Glete e não lembro. De repente vi por dentro todas as coisas e uma moeda tinha energia para iluminar a cidade. Vozes de amigos, multidão, Levo três horas todo dia até o Carrão, Esse povinho que mora na periferia, Acordo às cinco, trabalho doze horas, chego às oito e meia em casa, não tenho amigos, Não vou ao centro, só tem mendigo, gente feia e crakero, Se precisa de médico pra o bebê na madrugada, só tem à uma hora de distância, Por que os pobres se matam?, Eu cresci comendo todo dia mingau de fubá, era o que tinha, Eu comprei o vestido com saquinhos de pérolas da Vogue, Nordestino filho da puta volta pra tua terra! A alameda Glete não saia da minha cabeça. Vi tudo. Street viveu no Palácio, deu casa aos operários, os jovens estudaram na casa, a ditadura separou, apagou a memória, uma cidade do pensamento. Mundo abandonado. Cai em pedaços, as águias morreram, a água contaminada. Se o Sol dá vida a tudo, o ouro, seu similar, também dá vida e saúde. Eu vi. Só podia estar lá dentro. Ninguém percebeu ainda. Olhar página a página. Kafka, Platão, Bukowski, Borges. Decidi viver trancado. Livraria, vivo aqui, à noite busco o Tesouro.

Afonso Junior Ferreira de Lima, 2008

Licença Creative Commons
Alameda Glete e outros de Afonso Jr. Lima é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.

segunda-feira, dezembro 29, 2008


Buscando na web uma tradução de Miss Saigon, só achei versões hiper-literais...

Como o que conta é cantar, tentei fazer a minha. Claro, precisa de algumas mudancinhas na hora de organizar as sílabas, mas acho que com treino (e dando um jeito no "...so diffeeerent...") tudo pode funcionar ;)


Kim

O sol, você, sou luar
Pela sorte unidos
No alto dia e no breu
Somos felizes, você é meu

Chris
Mistério você aqui
Meu lugar é tão outro
outro, outro, tão longe de você
Como a noite nos fez
tão longe estar, amor?
Kim
Surge lá fora o sol, não!
Chris
A lua no céu a brilhar!
Kim
Canta a manhã!
Chris
Estrelas se vão!
Kim
Ainda tremo...
Chris
... de paixão!

Estamos no céu!

domingo, dezembro 28, 2008

Bienal: sobre o vazio e outras coisas

***




(AS: O que está acontecendo com Israel? Alguém pode me explicar que atrocidade é essa?)



***




É com certa ironia que o destino coloca juntos um grupo que evoluiu até a sofisticada linguagem do vazio e outro que quer entrar, está tão fora que não sabe bem a etiqueta, odeia alguma coisa invisível e usa essa linguagem como quer... Claro que é irônico a linguagem da "participação"- nascida de uma sociedade dadaísta/"anarquista" anti-conservadora- de um mundo pós-super-moderno virar "agressão" num contexto tupiniquim de exclusão... A arte chama participação, temos jovens doidos para ser parte de alguma coisa...

"Tanto na Bienal, quanto na Belas Artes, fui só para ver o que ia rolar. Mas, quando percebi, a lata de spray já estava na minha mão"- diz a rainha do branco.
"Vândala" ou "heroína dos descamizados"? "Pega mata e come..."

Sim, na "Bienal do vazio" houve a polêmica (horrenda) prisão de Caroline Pivetta da Mota (que os jornais chamam de "a pichadora") por quase dois meses. Ao mesmo tempo, Cholla, um cavalo de 23 anos arrebata o Prêmio Internacional Arte Laguna, na Itália ganhando de mais de mil artistas do mundo todo.

Assim, começam as simplificações. Não é a deixa para falar mal da elite cultural e da falta de critérios da arte?

A Bienal começou com o tom da crítica. "Crise financeira da instituição, que não pagou grande parte dos gastos da edição passada, inclusive com curadores estrangeiros", anunciou a Folha (9/11/2007). "A atual presidência da Bienal esteve envolvida em várias polêmicas, neste ano, e chegou a assinar um ajuste de termo de conduta com o Ministério Público, por cometer irregularidades ..." (8/11/2007)

Então a proposta desde sempre foi bem interessante: um debate até sobre o formato, a gestão, o patrocínio desde o modelo pai-senhor americano, etc... (Lembro de um artigo de Ivo Mesquita sobre isso, mas não acho agora...)
A arte no mundo todo se encontra em crise, provavelmente, porque os artistas vivem dentro das bolhas de luxo -linguísticamentosas, claro- cada vez mais fechadas, e o "atrito" com o real da "massa" sumiu, desde que a política real desapareceu da "opinião pública", coberta de produtos paradisíacos e tele-jornalvela.

Foi esse um daqueles momentos em que a violência oculta vem a tona em toda sua feiura: como disse o Ministro Paulo Vannuchi , "Daniel Dantas ficou preso muito menos tempo".

A maioria das críticas caiu sobre a curadoria, mas não vejo claramente qual sua suposta "culpa" neste caso. "O parque Ibirapuera é uma área de preservação ambiental e o Pavilhão da Bienal é um prédio tombado e monumento histórico estadual (...) Há uma lei e transgredi-la implica risco" -diz Mesquita em carta à Folha em 18 de dezembro. Ele chamou o ato de "arrastão" e assim descreveu o evento:"40 jovens invadem o pavilhão da Bienal como um arrastão, derrubando tudo, agredindo pessoas fisicamente, com o objetivo de, segundo a convocatória pela internet de seu líder Rafael Augustaitz, pichar o segundo e o terceiro andar, destruindo todas as obras. "

Estranho foi a frase da curadora Ana Paula Cohen na entrevista coletiva que antecedeu a Bienal:
"Estão convocando gente da periferia da cidade para fazer isso, e essas pessoas não sabem no que estão se metendo." (13/12/2008) Ameaça? Constatação? Soa um pouco "nós e eles"- será o caso de negar que foi criado um abismo? A falsa idéia de que "todos são iguais" aqui pode esconder a oportunidade negada de muita coisa: somos iguais em tudo, com os mesmos direitos, mas:

"Pesquisa realizada na Zona Sul de São Paulo pelo Departamento de Serviço Social da PUCSP e citada pela mesma reportagem da revista Carta Capital, mostra que '81% dos bairros pesquisados não têm bibliotecas públicas, 98% não dispõem de teatros, em 96% não há cinemas. Bancas de jornal também são raras. Das famílias entrevistadas, 39% reclamam que seus bairros não contam com delegacias e 46% dizem que não existe ronda policial' e ainda 'das casas visitadas, 78% apresentavam mais de quatro bares nas proximidades (p.14)."

(Telma Falcão, 2003 - Núcleos de Apoio a Pesquisa da Universidade de São Paulo.
http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=809&Itemid=96)

Lembro-me de uma amiga que tentou falar sobre a situação das escolas da ZL de São Paulo (onde mora) e foi censurada por outros moradores que não querem falar mal da região. Será o caso de esconder que a polícia perdeu o controle sobre Ipanema, negando-se a responsabilizar-se pela festa de Ano Novo lá, para preservar o turismo?

Por outro lado, Pedro Alexandre Sanches e Ramiro Zwetsch , na Carta Capital fazem uma mistura fina transformando tudo numa questão de luta de classes, numa suposta rebelião contra uma "elite" egoísta. Como se Ivo tivesse culpa de ter uma história sofisticada. (http://www.cartacapital.com.br/app/materia.jsp?a=2&a2=10&i=2947)

Como ele responde, na carta: "Contraditoriamente, o Estado não lhe assegurou uma moradia até agora, conforme se depreende da lei que a mantém na cadeia! "

O que há é sim uma contradição "do sistema" (mas quem assina?): o patrimônio recebe leis de proteção e as pessoas não tem onde morar.

Elite mesmo é, por exemplo, o tal Instituto "Liberdade"(sic). Empresários que não querem pagar imposto (e, portanto distribuir renda) e chamam isso de "liberdade de impostos", desejam ganhar com a saúde e perguntam "É o Estado o melhor provedor de saúde?", cria um think-thank para esparramar idéias contra o Estado com as leis do Estado e afirma: "Travamos uma disputa de idéias da sociedade contemporânea, uma disputa pelas idéias que irão favorecer os progressos da liberdade". (?)

Elite mesmo é quando "o volume de recursos que chega aos bairros ricos é em média 4 vezes maior que chega aos bairros pobres."

(http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/04/24/ult23u2015.jhtm)

O que percebo desse líder -citando Nietzsche- que comanda as pichações é que apropriou-se da linguagem "poser" da arte sem idéias (ou seja, arte que não representa postura perante a vida, e , portanto tem forma que não é "estética", não causa impressão aos sentidos) e da linguagem "pró-revolução" daqueles que já não vêem um diálogo possível (PCC, que leu seus 3 mil livros de esquerda, incluído). Talvez um caso de auto-promoção, como afirmou Mesquita, mas como dar-lhe crétido, afinal, não é um "membro da elite?" Isso tudo (uma rebelião confusa) enquanto a direita criminaliza qualquer reflexão contra a concentração de poder.

Salva o grupo o "pichador" Tatei que diz: “A gente não está de bobeira. Agora todo mundo está metendo o pau, mas ninguém quer saber como a gente vive". Caroline disse à Folha que picha “para o povo olhar e não gostar”. Então é isso: destruir o patrimônio é ir contra os direitos humanos do novo mundo, patrimonial.

"São manifestações de grupos que querem fugir do anonimato sinalizando sua existência, sua territorialidade" -diz o Ministro, evitando entrar no fácil comentário de um artista de que cita Jean-Luc Godard ("Cultura é regra, arte é exceção"): "A Bienal ao apagar os pichos está situad[a]e sitiad[a] no terreno da cultura, já os pichadores, eles estão no terreno da arte".

O picho "Abaixa a ditadura!" (sic) lembra o que o húngaro Ferecnzi dizia sobre o trauma na criança, uma "confusão de línguas": na linguagem da arte contemporânea, assim como do mundo contemporâneo, tudo entra em questionamento, menos a questão política da desigualdade; na arte-ataque da pichação tudo é política, já que não há espaços de diálogo na sociedade dita "aberta" (sonho do Instituto "Liberdade"). O trauma nasce não só da violência, mas da negação da violência, da sua "reação de desmentido".

É uma questão de distribuição, mais investimento público e não pode ser engolido pelo discurso, esse sim elitista, de uma arte do norte, pós-Estado de Bem-Estar Social, "o que é arte?"

E o cavalo? Se a arte contemporânea não tem mais nada a ver com o casamento hegeliano do "conceito" com a "forma" , "a individualidade" romântica do artista, mas apenas com seu intuitivo julgamento estético na escolha de formas, e se a arte está na recepção que "monta" o texto, já que até o lixo e a natureza podem ser belos, nada impede que o belo venha do acaso. Ou seja, fujam da estéril crítica ao vazio, simplificações e luta de classe falsa.

terça-feira, dezembro 23, 2008


Madonna esteve aqui

Para a minha geração ela representou um ícone de poder- soube sintetizar, principalmente para mulheres e gays um modelo de força, com a mensagem "express yourself", contra tradições mofadas, bom senso e puritanismo (claro, isso era também indúsria cultural num mundo pós 68).
O pop internacional era nosso ambiente cultural, nossa "tradição".
Para essa geração anos 2000, com house, Britney (que tenta ser o mesmo para adolescentes maluquinhas) e rap, a oferta é muito maior- e, graças a Deus, a música "étnica", a brasileira, ressurgem com força...
Os anos 2000 foram bons para Madonna: reencontrou-se no tecno. De Bedtime Stories -94- até Ray of Light-98 (uma luz no fim do túnel, mas difusa) - tudo fica confuso, são inclusive 8 anos sem turnê, em busca de um personagem.

Depois de tentar produzir reflexão na nação em pânico com American Pie ("grande fracasso de sua carreira"), em que ficava visível o cansaço da estética Erotica e a busca de um novo papel (inclusive no cenário pop: techno, neo-punk, romântico?), perguntando que país é esse e recontando o sonho primitivo norte-americano de ser rebelde, on the road, ironizando o "sonho" (e a arrogância), reencontrou seu caminho como entretenimento bom com Confessions on a Dance Floor, onde, para mim, lembra que era uma "disco". Quando ouvi Hung up percebi que não estavam vendendo apenas imagem: era delicioso!

No que deve ser uma auto-ironia, ela agora assume vender "doces", como numa loja. Busca modernizar-se com o hip-hop e o R&B, uma natural re-invenção, mas que anula até certo ponto a "descoberta" do "retrô" 80´s, estético, sonoro e coreográfico. Mais um período de transição...
Aqui os show foram considerados "mornos" (até os fanzíssimos do M.O.L. falaram de músicas "requentadas", do último bloco "esquecível"...), teve até a Betty Lago dizendo que era um show "classe média" (ou seja, conservador), o que irritou quem, diferente dela, não pode ir a Nova York.

As versões que eu vi de "Vogue", "Express Yourself" e "Give it to me" - de um álbum que tem as chatas "She´s not me" e "Miles Away"(single fracasso)- gostei: realmente, ficaria tudo mais fácil se fosse um todo punk (retornando ao início em Nova York), ou techno, porque, como foi dito, até ciganos tocam guitarra, ela até aparece com fitinhas coloridas, la isla... (Ainda, em alguns momentos sua voz parece não existir- é estranho vê-la falando, voz desafinada...)

Imagino que o último show em São Paulo foi o mais animado, em que ela, sem resbalar num palco molhado, elogiou a platéia e saiu enrolada na bandeira do Brasil. E teve a capela de Like a Virgin, realmente emocionante. "Vocês são a melhor platéia que já tive".
Talvez tenha faltado, aquela re-invenção mais ousada. De qualquer forma faltou identidade no show, ela, a senhora em criar novas personalidades, como em Confessions, onde a era 80´s volta com tudo... (as malhas de Gaultier são históricas!)

Isso porque quando a mensagem da "sexualidade" é assimilada, e a política não é aceita (o clip sobre a guerra - Madonna deve se orgulhar da postura firme em um momento em que Bush ainda não é a piada de mau gosto que é agora- foi retirado do ar: medo de não vender ou respeito aos soldados?), que fazer?

Dançar! (E "Sorry" foi um momento de dança política!) Por que ela abandonou bons produtores e figurinista é um mistério... (Se alguém tem dúvida do estrondo de Confessions...)
O espetáculo parece ser um acordo entre a estética do já-visto (roupas pretas, dancinhas coreografadas, máscaras), tantando manter a linguagem e um pouco de remix, para celebrar o novo milênio. Também comentaram sobre o excesso de "marcação" e pouco espaço para manifestações espontâneas... O velho acordo capitalista: agradar ao público (vender bem, não mudar) e mudar (ser novo, agradar).

Mas Madonna tenta e sempre continua. Adorei ver ela se divertir no palco - mesmo com "fuck this rain!" Vendendo bons doces.

terça-feira, dezembro 16, 2008

Meu Mundo

Quem poderia dizer que aqueles dois simpáticos senhores, no café da Cultura, estavam pensando os destinos do mundo?
- Vocês deviam ser como nós! Vamos lá! Vamos transformar o mundo em uma ditadura sem limites. Acabamos de lançar o Centro Cultural Universal, investimento de 10 bilhões de dólares, aço escovado e vidro, teto removível, 6 bilhões de livros. Mas as reportagens políticas são retiradas.
- Não sei não... Aqui também é assim... Viu o caso do cartunista demitido por falar mal dos Bancos?- E nada de “poluição espiritual”. Erotismo e gente falando mal do passado são proibidos.
- Isso é estratégia antiga, custa caro. Deixe-os muito ocupados para sobreviver e estarão muito cansados para tentar entender. Tire deles qualquer ordem maior capaz de investir no bem comum, de modo que subir a escada seja tarefa de cada um. Da favela para a universidade.
- Isso vende bem, é “moral”, ética do trabalho... E vocês, no fundo, controlam também a informação, não? Digo, há empresas gigantes, diversificadas, que mandam em estados inteiros, não?
- Se fizeres bons acordos com super-poderes de informação, de modo que os conceitos, a linguagem, a cultura desapareça, e nada faça sentido, até que percam sua identidade e regridam até a animalidade, depressão e violência...
- É prático, até. Esse negócio de ter de abrir livros da Amazon, perseguir escritores piratas, cansa... Adoro como vocês criam uma identidade obcecada, o desejo, incentivam a frustração, o prazer individualista, até a solidariedade virar uma piada. A atriz famosa só pensa em cinzeiros de prata, carros importados, viagens e drogas e o cara da favela só pensa em ser a atriz famosa.
- Sim, claro... A violência se espalha no mundo abandonado. Deixe 25 anos Nova Orleans sem investimento e a própria natureza se encarrega de acabar com a pobreza...
- E a classe média?- Estarão endividados para comprar celular, roupas caras e pagar academias... O belo deve ser oferecido num contexto de a-pensamento. Quem dá a arte é quem dá a verdade. Mas, enquanto isso, deve retirar todas as limitações legais contra o poder das corporações, de modo a que se você poluir um rio, não tenha que pagar por isso...
- É, dá inveja desse mundo de vocês. Bem, vamos continuar nossa discussão no hotel. O Poder Global está todo lá.


Afonso Junior Ferreira de Lima
dez 2008Participando do Concurso da Cultura...
Mais em:
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/contos_cultura/index.asp?autor=EJFDCC

domingo, outubro 19, 2008



"Já dentro do presídio, os trabalhadores foram postos com os rostos contra uma parede, ao lado de dois jovens negros, de chinelos de dedo e pés sujos de cal, algemados. Aos gritos e pauladas na parede, os dois foram levados primeiro. (...) O ambiente era digno de filmes de horror. Paredes podres, caindo sozinhas, tudo muito gelado e úmido. (...) Durante as revista, os homens eram obrigados a despir-se completamente, retirar todos seus pertences, inclusive alianças ou crucifixos. Nus, eram obrigados a agachar-se algumas vezes em frente aos policiais. (...)

Os dois primeiros presos políticos a ser encarcerados foram postos em uma cela comum com outros homens presos naquela noite. Apenas dois entre os 20 presos aparentava ter mais de 35 anos. A maioria negros. Todos, absolutamente todos, com rostos sofridos de trabalhadores pobres. (...)
Ambas as celas eram cubículos gradeados, escuros, úmidos e muito frios. Misturavam-se restos de pães, banana, urina e fezes, onde, por vezes, passavam ratazanas em busca de alimentos. (...)
Eles foram ainda trocados de cela uma três vezes durante a noite, passando também por identificações, fotografias, etc. (...) O mais duro durante a noite, porém, foi suportar o frio lancinante, que congelava seus corpos permanentemente tiritantes, sentados em uma bancada gelada, durante toda a noite. Dormir um pouco era um sonho impossível."

Relato de universitário preso durante manifestação pacífica em Porto Alegre, contra o desrespeito às leis trabalhistas e sonegação dos quais é acusada a Wal Mart




A miséria não existe.


Faz tempo! Nesse ínterim os Estados Unidos se tornaram uma nação democrática (conheço uma professora americana que dizia não votar porque Bush e Clinton eram iguais), a idéia absurda de que mercados mais-que-livres iam melhorar a vida de todo cidadão (como coloca Delfim Netto na Carta Capital) caiu bem fundo, e a Veja desandou (é um fenômeno da auto-superação) para as bordas do racismo chamando a cultura de Evo Morales de "pré-histórica".


Onde estará o sorrisinho da Época, que na sua revista de julho de 2008, dizia que havia um espécie de invasão de ideologia no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), claro, com a ala "heterodoxa", que defense mais presença do governo, dizendo que o debate de idéias não pode se transformar em embate de poder (como coloca Edmar Bacha, economista do Plano Real). Como se deixar de investir durante 25 anos nos diques de Nova Orleans não fosse também ideologia e poder. Vamos retomar da parte onde o chefe do mundo admite que tudo que se viveu nos anos 90 era ideologia?


"Em outras palavras, você descobriu que sua visão do mundo, sua ideologia não estava certa, não estava funcionando?", questionou Waxman. 'Exatamente, é exatamente isso que me deixou chocado, porque eu estava indo para 40 anos ou mais de indícios consideráveis de que isso estava funcionando excepcionalmente bem."
www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/10/081023_greenspan_errorg.shtml
(Provavelmente ele estava olhando só a mancha vermelha, e não Jupiter...)



Ainda, uma novidade: vou criar o termo assédio estomacal. Um homem me pára no Supermercado, pedindo arroz e feijão, sei que precisa para a família. Uma senhora ganha metade do meu sanduwishi na saída de outro Supermercado. Dou uma linguiça para outra mãe com fome na rua. Hei, alguém vai fazer alguma coisa com esses 50 milhões de pobres do Brasil? Há duas coisas que me revoltam: o nojo de pobre que nasce como filho indesejado (?) da publicidade num país dividido e falta de democracia. Na sociedade falsamente livre, a pobreza desapareceu, saiu da mídia, é "matéria non grata". A miséria não existe. Talvez essa seja toda a mensagem de "Ensaio sobre a cegueira": há coisas, ainda, essenciais...


Em São Paulo, ainda não me acostumei de ouvir como primeira pergunta "qual seu bairro?", como uma identidade.
"Onde você mora? Parelheiros? Onde fica isso?" - diz um personagem do Pânico. O que pode ser uma piada sobre gente se afogando com auto-ironia, acaba sendo o nojo de pobre que vem se alastrando na nossa sociedade... lembra dos "cajuzinhos", do Caco Antibes? Será que algum dia teremos vergonha de fazer humor com a classe social assim como temos- a duras penas- de fazer com cor de pele e gênero?


É a eugenia pós-moderna, eugenia do consumo, do bullying de "status", "padrão-TV", eugenia fashion: se alguém ainda duvida que isso exista...


"O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul propôs sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) contra leis orgânicas de municípios gaúchos que estimulam a eugenia em suas políticas educacionais. (...) Os municípios gaúchos que introduziram o estímulo à eugenia em suas leis orgânicas são: Barra do Quaraí, Uruguaiana, Passo Fundo, Riozinho, Muliterno, Ernestina e Ciríaco".http://www.rsurgente.net/2008/03/ministrio-pblico-combate-eugenia-no-rs.html


Se o capitalismo é dinheiro gerando mais dinheiro, os abismos crescem, desconhecer o outro é odiá-lo. Uma democracia com tão pouca voz do povo que qualquer fala do político vira verdade- e meus amigos repetem "essa polícia é um bando de vagabundos..." O Serra simplesmente desmoraliza a polícia colocando uma contra a outra e ainda dá uma da durão, apagando o rastro da não-democracia.


"Segundo Paulinho, a greve é justa porque os salários da corporação em São Paulo estão defasados e que o governador tem que negociar. 'Serra é quem quer fazer cortina de fumaça para esconder a responsabilidade [...]
Ele foi eleito para resolver problemas, não só para andar de helicóptero por aí", (...) Não planejei nada, ele que não negociou, é só ver os fatos. O problema é que o movimento tende a crescer caso as negociações não evoluam', disse". www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u457461.shtml



Enquanto isso meu estado afunda no lado negro da democracia- que não- quer- mostrar:


"Há quase um mês em greve, para os bancários do Rio Grande do Sul era só mais um piquete em frente a Agência Central do Banrisul. Ninguém poderia imaginar que o local seria palco para mais um exercício do Comandante-geral da BM. O sinal foi dado quando um policial militar, sem a presença de um Oficial de Justiça, como manda a lei, tentou abrir as portas lacradas pela greve.
Em poucos minutos pelo menos cinco viaturas com polícias da Patrulha Tática Especial com bombas de gás lacrimogênio, escopetas, escudos transparentes e cacetes reluzentes tomaram a entrada do Banrisul".
www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/10/431084.shtml


Eu não quero viver em um mundo onde a informação gera apenas depressão ou ansiedade. Em um encontro da UNICEF com grupos de toda Zona Sul de São Paulo fiquei por dentro de outras violências. Fiquei feliz de poder falar um pouco disso em contos no concurso da Cultura:
http://www.livrariacultura.com.br/scripts/contos%5Fcultura/index.asp?autor=EJFDCC


quarta-feira, outubro 01, 2008

Fiz alguns poemas, seguindo proposta de "O Casulo": http://o-casulo.blogspot.com/

Primeiro exercício - Imagem

Se sou fragmento
como formar imagem?
Sou a renda perdida no espaço
a anatomia na sombra e no sonho
Por que motivo me acharia?
Quero ver o mundo e estar vivo
nesse selvagem correr de folhas
(Evoque o espírito da mata
a cabeça acha o corpo de barata)

Segundo exercício - Som

A cidade é moderna
A cidade se esconde dela
A cidade é outra e bela
Música do desassossego

Terceiro exercício - Buñel

Quem cortou o teu olhar ao meio?
Por que não pertencemos ao chão?
E se não fosse necessário?
Andar sem fim e sem paz
Produzir? Por que?
Arte, produtos, pessoas
há coisas vivas lá dentro
primavera em São Paulo
menos mais e mais melhor
por que sabemos tanto
que nos vale saber tudo?
Gênio saber perguntar
e se eu me perdesse vez em quando nas calçada
se achasse luz suave nas ramagens
silencia a morna música dos peixes
adeus ao olhar sem escuta
motores de dizer sem voz
vazio´ olhar a pele conhece
não o prazer fácil de um disparo químico
mas o prazer sujo de muitas vidas humanas
Sempre é crise um mundo novo
Mas se não o conhecemos, quem seremos?

Quarto exercício - Mulher com xale

Por entre nuvens desço até a cidade
vejo o Tietê que recebe carros, vidro e o lilás da tarde
Deus, meu Deus, que menina é essa, encolhida no chão?
Chão, chão, esse chão de pedra, fluxo e metal e Niemeyer
Por que existem homens invisíveis neste mundo em transição?
Por que comes esta gosma verde e buscas comida no lixo?
Por que um rato se move ao redor da cama de trapo onde dormes?
Por que dormes sobre papelão e tua barba é grande?
Por que tuas coxas largas estão riscadas de negro e cinza, e tu escondes a cabeça como um animal em panos?
Por que teus pés têm manchas escuras no frio?
Por que dormes sobre o degrau da escada, com tua cabeça sobre o papelão?
Por que meu olho já não te vê, eu que sou aranha da teia?
Se cada flor tem seu aroma e o mundo precisa de todas?
Onde está a poesia da liberdade que respira, vê e dá as mãos
Se a cidade quer subir e não há tempo que não seja pouco
Se mais e mais é infinito e cada ser dorme e duvida
Quem criou o certo e o errado, o valor zero do invisível?
Eu quero sentir o calor do teu corpo
teu corpo negro com vida e correndo comigo
E se pedirem a Alma, a lógica e a letra
eu as queimarei todas no meu beijo de terra
Saúdo a terra e tudo que há em ti
Anjo da noite, coração oculto, irmão vivendo da treva
Teu coração é um tesouro silencioso.

Afonso Junior Ferreira de Lima

domingo, agosto 17, 2008

Tente entrar

“Entrar no metrô que é uma parede humana e ser esmagada com um braço na tua cara, o prefeito acha nomral? A gente vive no limite do stress!” - quando uma amiga me disse isso, pensei que estava exagerando.
Hoje liguei para a Eletropaulo porque dois meses minha conta chega com atraso devido a um erro de CEP. “O senhor tem de ir na agência em horário comercial”. “Meu amigo, em horário comercial eu estou trabalhando”. “É assim, não há o que fazer”. Argumentei que se um ser humano fez esse sistema maluco, um ser humano era capaz de desfazê-lo. Ele concordou que eu não devia pagar multa por um erro deles, mas não havia o que fazer. Então, uma simples ligação faz você se tornar o Átila. Disse que iria reclamar para a agência reguladora caso atrasasse de novo e ele concordou em anotar minha reclamação. Cidadão - ninguém.

Lembrei-me de quando fui instalar internet em casa a primeira vez. O modem, o provedor e a banda larga eram de empresas diferentes. Cada um me mandava fazer uma coisa e nada funcionava, um colocava a culpa no outro... Descrevi mais de cem vezes os detalhes – coloquei X em Y, cliquei em N, plantei bananeira etc; "não, eu já coloquei aí; o provedor disse que era isso; não, isso eu já fiz". Nenhum primitivo mecanismo de registro, falei a mesma coisa para cada novo e novo e novo atendente. Quase uma semana para alguém entender, "ah, já clicou alí?"

(Aliás o que há além da Teleforçabiônica? 3G ainda não vale a pena, Net "não está disponível no seu bairro", bem central! Microhard-Monopólio!)

O que mais me assusta nessa sociedade “liberal-fascista”, criada à mídia insípida, é ouvir jovens que só tem respostas individuais para problemas sociais. Em São Paulo é ainda mais comum. Os quase-pobres arrumam algum emprego se tornam quase-mais que seus irmãos quase-nada e logo descobrem que “os pobres são pobres por que não trabalham” ou “a esquerda vitimiza essas malandros que só querem bolsa família”. São Paulo é uma bolha de consumo que isola a todos do Brasil e da outra São Paulo, logo ali, mas há anos-luz do cidadão da Paulista.

Nada mais normal nesse contexto, então, do que ver um homem-cadáver na rua, com seus ossos a mostra, dormindo no cimento, parecendo um fanstasma de Auschwitz, enquanto o governo fala alegremente em “higienizar” o centro porque afinal esses vadios só sabem fumar crack, o que nos envergonha e estraga a paisagem. Alguém falou no Estadão sobre por que motivo alguém fuma crack, quem são esses moradores de rua que chegam na farmácia pedindo fraudas para vender por R$ 2,00 na esquina e queimar seus neurônios? Não, é preciso falar da estética, a “Cracolândia” – nome entre o irônico e o simplista, que mascara um mundo todo, jogando-o para o lado do “outro sem volta”, com um adjetivo-estigma - veio do nada e volta ao nada. Uma amiga diz que em SP há o "status de bairro", quando chegou na sua faculdade no primeiro diz a primeira coisa que lhe perguntaram foi "Onde mora? Você pega metrô? E depois ônibus? Quanto tempo?"

(Urbe-caos... Mega-empresário quer Estado? Planejamento- além do próximo produto? Inclusão- além do seu nome na Fortune? Reforma- além de menos imposto? Cada um por si e todos por mim... Na democracia dos mega-empresários, do lobby corporativo e dos "compre-Batom!"- equalizador de mentes, o bem comum é passado. Se as pessoas passam fome é porque há outras prioridades... Não está tudo bem? Não será tudo resolvido? Não pode esperar? A distância geográfica de São Paulo cria a "dor distante" do nunca visto, a explicação "racional" do inominável. A depressão ultra-consumista da "psicose" fragmentadora do jornal-esquizo-bricolage. Verdrängung, recalque, empurrar o real incômodo. Quem não crê no poder devia ler sobre o Consenso de Washington, tanque que achatou os anos 90. O capitalismo, alguém já deve ter dito, é um sistema de pensamento que mata tudo que não é produtivo, cala os indecisos, suprime os fracos, afasta os possíveis contraditórios da política do progresso: sem reconhecimento do estranho, surge a crença e a conclusão fechada de uma experiência particular, sem diálogo há conflito.)

A elite de São Paulo tem uma forma “amistosa” de lidar com isso, é o lado da biopolítica clean que cria projeto social malandro, afinal são preguiçosos por natureza. A miséria é um fato histórico e social cientificamente explicado e complicado demais para resolver. O racismo novo é feito de caras “feias”, "da Zona Leste" gente “sem cultura” e “tapada”, que atrapalham a circulação fantástica de informação e capital do primeiro mundo, o eixo Paris-Londres- São Paulo. É a linha FHC, puramente consciente dos problemas do mundo -pensando em um plano técnico para elevar algum % em tantos anos que irá... - e capaz de falar as coisas mais fascistas, os discursos mais classistas contr a incompetência dos operários barbudos no poder.

A aceitação resignada de que são dois tipos de pessoa, que pena, alguns que não entendem, não falam bem, não são belos (e principalmente não se esforçam), e os que entendem, falam, sabem, são: o inverso da democracia, baseada na participação. Miséria é ruim, mas não é comigo e pode esperar. A elite gaúcha, hoje enredada em corrupção, é mais bruta e mais tacanha (financistas robóticos, empresários-coronéis com ambições "globais", generáis da Inquisição), e por isso, mais ridícula, simplesmente manda bater. Comte: a moral manda que todos trabalhem para o progresso, quem critica o progresso merece chumbo. A única cultura é a Veja. Para um estudante que foi agredido e preso pela polícia em manifestação pacífica, um senhor de meia idade diz "Bonito, heim?" Um amigo dizia: "A culpa é do povo, na Europa o povo sabe votar (será?)"...

(Em comum, a ilusão da felicidade solitária, filhos sem afetos, pais ganhando dinheiro: uma juventude linda, fanática, informática, celulática, malhática, trancada no quarto, bebendo, batendo o carro do papai, tomando ecstasy e "buscando diferencial" pela força. Epidemia de jovens damas- de -ferro executivas e mussolini-clintons. PS: Por sorte há também jovens espertos, que sabem que há vida além do video-game...)

Democracia agora é: marketing de massa, vender meu conceito ao povo. Jovens adultos que falam "objetivamente", querem resultado, rápido, toda dúvida atrapalha a venda. Não há nada de podre na Dinamarca. A classe média brasileira é esse animal estranho - "saí do buraco, seu pobre" é mais que "como vamos tapar o buraco?" – ouvi de um jovem de 18 anos: “Aqueles protestos contra uma represa na África, deviam matar todos, estão atrapalhando o desenvolvimento”- mesmo preso entre empresas déspotas e governos de direita, parece não ter o mesmo contingente informado e rebelde da classe média norte-americana e européia, ou pelo menos sai menos à rua, e pode dizer tranquilamente: “os nordestinos deviam voltar pro Nordeste” ou “se apanha da polícia é por que é baderneiro”.

segunda-feira, junho 16, 2008

Chico é pop?

“Você vai se distanciar de seu povo. Samba, daí, nunca mais.” É algo assim que Joana, a Medéia do morro, diz a Jasão para amaldiçoá-lo. Há alguma coisa dessa verdade na montagem de Gota d´Água que assisti ontem, em direção de João Fonseca,com Izabella Bicalho e Lucci Ferreira como protagonistas.

A peça começa com um samba legal, depois outro samba legal. Ok, é Chico Chic, microfone, palcão e tal. Outro samba legal, e outro. É tudo muito perfeito, mpb pra gringo ver, dá um incômodo. Ok, não é tão raiz quanto o outro Chico, mas vai ser bom.

Aí começam os sambas em que você não entende o som. Será o cara que não canta bem ou a acústica? Começam caras e bocas, marcação de cena marcadíssima, você começa a pensar se nessa favela chic precisa mesmo um negão com a camisa do Flamengo, uma negra com roupa de oncinha e troço na cabeça e umas mulheres vestidas de anos 50. (A princesa de Jasão é a Emília). Você enxerga, simplesmente, a sombra do holofote no cenário. Os rostos ficam na penumbra e a luz foca outra coisa. Tem um Creonte excelente que salva tudo, um bom Mestre (apagado pelo diretor), um Jasão bem forte e expressivo, mais vivo que o último que assisti. Dá o intervalo. Calma: nada pode arruinar a cena fantástica de Joana matando os filhos.

Eu dou nota sete, tem música colorida e boas dancinhas. Uma amiga, com cara assustada, diz: “Meu Deus, eles estão muito frios. É muito comercial”. Outro responde: “Estão completamente distantes desses personagens, não se identificam”. Parece realmente impossível imaginar essa Joana no morro e não no Shopping. Sim, ela tem um vozeirão. Em um dado momento da canção, quando diz: “ANIMAIS!!!!”, parece mesmo que estava ali com tudo. Só que, quando volta a escuridão, fica mais patente ainda a diferença entre essa Joana e a de Georgette Fadel. Georgette estava ali tanto e tanto, a ponto de eu pensar- seria melhor moderar em alguma cena, é tensão demais... Mas funciona!

Depois as coisas pioram: tem música cantada com emoção, cenas mexicanas com “não me bata meu amor!” (uma cena que se repete em ritmo mais rápido é legal, mas um chute coreografado do Machão na barriga da Pobrezinha torna-se cômico) e os “pobres” dançando com algo como boá de retalhos e chapeuzinho Panamá colorido. Não dá. O público delira com as cenas Broadway, a evocação de Ogun com uma saia de cigana-Carmen-Miranda, um samba “Vila da Alegria” que vira funk e bolero.

Que diabos deu de o microfone ficar achatado e mugindo quando os personagens se abraçam? Nada contra seu uso, mas, de alguma forma parecia que tornava tudo ainda mais premeditado, como uma gravação. (Não ajudam os “fazerrrrr”, “comerrrr”, tudo com um português que nem o Pasquale pode falar...) No final, morrem as crianças sem que tenhamos sentido quase nada. (Quando, na última cena entram gritando “PAAAI”, você começa a rir). Quem pode chorar a morte de um menininho de camisa branca e calção marrom e uma menina de vestidinho e laço (ou quase)? Entra uma “Cumadi” com um agudo de “Rainha da Noite”, será pra nos acordar?

Enfim, será que neste mundo onde todos queremos imitar as celebridades, pois afinal as celebridades nos são dadas como modelo, será que é tão difícil assim mostrar o coração? Será que não temos idéias novas, vivendo dentro dos Jardins, será que a última vez que vimos um pobre foi no “Alô Amigos?”, ao som de Tico-tico no Fubá? Esperamos da arte um mínimo de ousadia. A música é boa, os musicais são bons, mas custava tirar um pouco de tudo- por exemplo, para que uma música do gigolô falando do seu pau (depois ele mostra a bunda, claro)?
Chico virou Deus, quando? Pobre de oncinha é mais fácil que ver a humanidade em todos, ricos e pobres. Na saída leio no folder: “graças a ... consegui realizar este projeto...” Como Chico é chic! A capa mostra as pessoas com as mãos na testa, (na entrada você pensa que é um gesto melodramático de “Ai Meu Deus!”), mas é só um ritual de macumba. Ai, Meu Deus! As desgraças às quais o diretor se refere- caos aéreo, a crise do Senado, o mensalão, as balas perdidas, João Hélio- são todas midiáticas e mostram a distância de outras tão reais: salários baixos, trabalho temporário, estudo-pró-forma, ônibus lotado, polícia na favela... Muito tempo depois de que Chico e Paulo Fontes tenham se aproximado do povo. “Samba, daí, nunca mais.”

domingo, junho 15, 2008


Era uma vez a Disneylândia...

Minha tia disse ter visto pela TV (Band): "Manifestantes jogam pedras na polícia e são presos no RS..." Um conhecido que estava lá disse: "Eles vieram com tudo... Que estudante e professora ia atirar pedras na polícia assim, de graça? Jogaram balas de borracha em crianças de 4 meses..."

Bem, pra ser "diplomático" fui catar mais informações. Senão vejamos...


"FOLHA
12/06/2008
Manifestantes presos durante protesto contra Yeda são soltos

Os 12 manifestantes presos pela Brigada Militar após um protesto contra o escândalo de corrupção no governo de Yeda Crusius (PSDB), na quarta-feira, foram libertados na madrugada de hoje.

Eles integravam uma marcha composta por 400 ativistas sem-terra e de sindicatos que pretendiam fazer um ato em frente ao Palácio Piratini. Os presos foram indiciados pela Polícia Civil pelos crimes: lesão corporal, violação de domicílio, danos ao patrimônio e resistência à prisão.

"As acusações são arbitrárias, não houve tentativa de ocupação, eles foram encurralados pela Brigada", disse o advogado Matias Nagelstein, que defende os manifestantes.
Os militantes de movimentos sociais foram impedidos pela Brigada Militar, com bombas de efeito moral e balas de borracha, de chegar à frente do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, para fazer um protesto.
(...) "
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u411908.shtml

ZERO HORA

"Manifestantes pedem a saída de Yeda do governo
Movimento foi impedido pela BM de chegar ao Piratini

Depois de invadir área do supermercado Nacional nesta manhã, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, um grupo que manifestava contra o governo gaúcho foi impedido pela Brigada Militar de chegar ao Palácio Piratini. Capitaneado pela Via Campesina, o protesto juntou velhos conhecidos dos gaúchos, como os sem-terra, a personagens novos, caso dos universitários egressos dos movimentos. Ele se uniram em coro contra o governo de Yeda Crusius, abalado por uma crise política. "
zerohora.clicrbs.com.br/.../jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=Pol%EDtica&newsID=a1963167.xml


BRASIL DE FATO

"O que era para ser um protesto pacífico acabou em violência, feridos e prisões em Porto Alegre. Cerca de 1,2 mil agricultores, trabalhadores urbanos e estudantes iniciaram uma marcha na manhã desta quarta-feira (11) em direção ao Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, para protestar contra o alto preço dos alimentos e a atual política de incentivo às empresas transnacionais.
O primeiro momento de violência aconteceu logo que os manifestantes saíram do Ginásio Tesourinha e se aproximavam do Supermercado Nacional, onde iria ocorrer um ato público denunciando a atuação da rede estrangeira Wal-Mart. Quando se aproximaram do local já havia um aparato da Brigada Militar e da tropa de choque."

Bem, gostaria de saber como o povo deve se comportar quando o acesso a verdade se torna tão difícil... Essa é uma sociedade complexa, o valor simbólico das coisas (foi notícia? poder de atingir, informar, atrair) supera qualquer realidade imediata: 100 crianças podem morrer de fome e isso influi menos que um minuto de comercial. Quem fez, o status de quem fez, o "reconhecimento" social, conta.

Uma manifestação onde pessoas são presas tem pouco poder de afetação: não atinge o "valor simbólico" que, talvez, mil panfletos atingiriam, modificando consciências.
Vivemos essa "realidade paralela" onde um conjunto de normas e idéias do bem são transmitidos pela força e pelo raciocínio simplificado (paz é boa, aceite tudo), matrizes de compreensão que saem dos canais de poder massivo de marca e informação (não apenas poder micro-físico foucaultiano, mas poder de fazer saber em escala masssiva, ideologia= alguém duvida, pergunte ao seu amigo o que tem a dizer sobre Hugo Chaves) e invadem as relações cotidianas com os escravos reproduzindo a opresão com outros subjugados - para receber reconhecimento, deve-se calar, identificar-se.
Pior, na sociedade em que tudo é bom e vai melhorar, cria-se a sensação de que criticar é "chato", "imoral", "ignorância", bom é lutar sozinho... Querer mudar é coisa de criança! Depressão individualizante que separa o eu do outro, o eu do mundo, o eu do eu (do corpo, do entendimento, do sonho...)

Os ambientes de diálogo acabaram depois da concentração de renda brutal ocorrida desde o capitalismo do séc. XIX, depois pelo poder da mídia de massa e pelo fim dos empregos na era tecnológica: sem troca não há mais consciência coletiva. O sentimento de dignidade a priori, que legitima o outro, foi perdido na avalanche fim da metafísica.

O ser da modernidade vale pela informação útil, não mais pela relação de classe. Se a coletividade grega buscava a honra e o sacrifício de uma sociedade militar, a cristã buscou a contemplação a bondade e a humildade e a industrial- com sua democracia do papel- buscou a eficácia, a informação transformadora e a renovação, a sociedade pós-industrial, feita da democria passiva das tribos, valoriza a manipulação do marketing, a superioridade e a agressividade da produção. Nada disso tem a ver com protestos.

Os seres sem palavra estão confinados em seus pequenos mundos: a "palavra que puxa palavra" , de Machado, que traz o mundo imediato, depois o imaginável, depois o pensável, tornando o raciocínio complexo e abrangente, foi roubado pelo preço dos livros (privatizados) e pelo poder da ligação simplista da publicidade (compre=seja feliz) e da mídia (informação by Méc Donald sem compreensão).

O reconhecimento social, no conceito de Axel Honneth, não chega agora a nenhuma camada da sociedade. Todos podem ser fagocitados pelo símbolo que lhes fala.
Então, se o eu é apenas "o pedido que vem de fora", um EU no sentido de Lacan, todos vivem uma convivência artificial, onde nada de revolucionário e honesto pode surgir. Quem brinca de pensar pode sair ferido.



domingo, abril 27, 2008


Senhora dos Afogados


Nelson Rodrigues é sempre assim. Primeiro ficamos encantados com a história, acreditamos que será uma tragédia grega. Depois, lá pelo meio, pensamos que seria melhor vê-la como um Eugene O'Neill da Mangueira, misturando sangue e zombaria para criar uma espécie de Absurdo tropicalista. Aí, subitamente, no último segundo, tudo se encaixa e pensamos que sim, ele é um gênio.

Nesta montagem de Antunes Filho, o diretor preserva essas ambigüidades do texto. Tudo começa dark, como o folder em preto e preto, lembrando as muitas meninas japonesas de cabelos compridos dos filmes de terror. Você antevê um cinema noir ou um Hitchcock, ainda mais que a programação (preto e branco) explica "casa soturna numa ilha, família cercada de assasinatos, etc...".

De repente, o juíz que deveria ser um homem malvado e mau aparece como um tio do Pato Donald, falando com uma voz esquisita e de óculos fundo de garrafa. A vovó chora um choro de cachorro. O noivo marinheiro violento fortão aparece fantasiado de Fred Mercury, com direito a quepe e blusa de sede. As piadas de Nelson desconcertam, ironizam, buscam o ridículo.

Algumas frases explodem revelando o eu dos personagens, mudanças bruscas, "eu também me vingo", diz a heroína supostamente vitimada.

Assim como os personagens-ideogramas de Nelson- que começam como caricaturas e tornam-se caixas de surpresa- não têm uma evolução linear, dão saltos, para ter alma, um "saiba por que é assim", novos problemas, novas dimensões e novas ironias, a direção também não é contínua. Há partes das quais gosto mais, que puxam a peça como um vácuo de buraco negro. Paulo, o quase Orestes, por exemplo, repete um "choro" muito demais. Parece no meio que a peça vai acabar, "marido mata mãe de seus filhos", mas ela consegue se salvar com novas e surpreendenetes melotragedias nelsonianas...

Ficam nos olhos- e ouvidos- os lindos contrastes criados com máxima simplicidade, uma mulher de vestido branco num grupo negro, cadeiras brancas que formam jogos de montar, um coral de vozes masculinas que preenche o espaço no tempo certo e com unidade perfeita. A sineta incomoda um pouco, até que uma boa atriz a transforma em símbolo (lembramos nossa escola, seu catolicismo que pode ser castrador).

Valentina Lattuada, como D. Eduarda, mãe e esposa, e Angélica di Paula, como Moema, a filha electriana, levam do começo ao fim a tragédia. Pode parecer pouco, mas há momentos - aqueles em que, nas palavras do próprio Antunes, tudo pode virar dramalhão -em que elas fizeram o impaciente homem a minha frente permanecer sentado. São atrizes que salvam qualquer espetáculo. Aí vemos como Stanislavski pode encontrar linguagens mais "falsas" e como pode-se fazer um realismo não ortodoxo.

Eu talvez bem quisesse uma tragédia mais lisa, negra e com fio metálico. Mas isso talvez seja impossível para o Brasil 8ª economia do mundo que vê no jornal "seguranças do metrô espancam gays" ou ouve numa fila de teatro, tragicomédia pura- "tio tem moeda?- não- aceito nota", impossível para o teatro contemporâneo e e certamente é impossível em Nelson.

É magistral como Antunes salva tudo nos 44 do segundo tempo e vamos pra casa com um sorriso de "isso é a arte". Como "bem está o que bem acaba", o coro cantando com drinks na mão, uma mulher chorando com e pelas mãos e outra sem, sim, é muito bom. Enfim, entre as ondas do fogo e do éter, Eurípedes e Diário Popular, momentos de genialidade e outros que são tragados por estes, é uma linguagem própria, pessoal, o que no mundo de hoje é algo impressionante.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008



Elisabeth já deve ter entrado para a história- pelo menos como um filme que não é continuação de outro, mas "dentro". É mais denso que o outro, mais realista e mostra a rainha mais verdadeiramente ela: mais dominadora, tensa e perigosa. O que dá a uma atriz shakesperiana um texto para ser shakesperiana. E só uma atriz como Cate Blanchett, com mundo interior vasto pode dizer como ela diz. Ela já ganhara um Oscar e mereceria outro se não fosse a Piaf viva em folha.
O filme valeria só pelas imagens: fotografia perfeita, figurino rico sem ser falso, paisagens, luzes, tudo impecável. É um filme para os olhos e eles não conseguem esquecer a cena em que a rainha, esvoaçante, vê a armada incendiando sobre um escarpado. Alguns truques de câmera, segredo de quem conhece.

Mas o enredo peca em algumas coisas. Primeiro, como uma mulher que inclusive mandou matar o amante- sem dúvida devido ao contexto terrível- torna-se uma solteirona virgem - que só quer um beijo do namorado da amiga- e quase meiga? Segundo: será que anda estamos na idade em que só heroínas boas nos comoviam? Terceiro: será que seria possível ser menos nacionalista e deixar pra lá esse papo de "a Inglaterra, terra da Liberdade" versus "Os Espanhóis, senhores da Inquisição?" Não havia tanta razão como desrazão tanto no espaço absoluto de Newton quanto em Henrique VII ou Felipe II- guardadas as proporções, claro. Política e fé sempre foram armas que se ajudaram.
Não seria mais humano um combate entre nações que têm ambas interesses comerciais e políticos?
Por isso, de algum modo, o filme perde um pouco do imenso fascínio que poderia ter. Fica com cara de "versão do vencedor". Logo de quem: houve tempo em que produzir sal era crime. Seria talvez interessante pensar por que motivo o sangue latino do Brasil deixou mais espaço para "adúlteros e anormais" que aqui viveram, enquanto o puritanismo tomou conta da Inglaterra a ponto de preenderem Oscar Wilde. fazer Elisabeth uma mulher sem amantes é apenas parte disso.

***
Turma da Mônica – Uma aventura no tempo - no Sesi SP- poderia ser bom e a abertura dá a entender que será ótimo.


"Produção de Diller Trindade, o filme conta uma história com ares de ficção científica em que a Mônica e seus amiguinhos transitam entre passado e futuro em busca dos quatro elementos (Ar, Fogo, Terra e Água) que acidentalmente escapam do laboratório do Franjinha."http://www.achanoticias.com.br/noticia.kmf?noticia=5810389
Muitos enredos é bom; computação gráfica misturada com tradicional também; todos gostam dos personagens. Algumas atualizações legais, como Cebolinha e Cascão dançando rap), piadas e músicas fazem parecer que será -sim -ótimo.

O problema é que já vimos isso tudo antes. (Tá certo a malvada Cabelera Negra quase salva tudo). E, para melhor ou pior, o ritmo das coisas é outro em desenhos pós- Pokemon: o menino fantasma, as super-poderosas, tudo corre num ritmo alucinante. Não é apenas ação: um bom vilão e ruptura ainda são importantes. Pode ser simplesmente que o cérebro das crianças-video-game seja outro. Pode ser que queiramos tudo mais depressa. O problema é que perdemos logo o interesse quando sabemos que um elemento sumiu no mundo e depois de aventuras Mônica vai resgatá-lo. Não dá.

domingo, fevereiro 03, 2008

La ley del deseo. O que tem de interessante em um Almodóvar 1986? Tudo. Os excessos estão previamente depurados, as travestis aparecem em toda sua humanidade, o incesto está confundido numa trama bem feita...
O humor está perfeito, "para ser um policial não basta não ter caráter, é preciso ter também algum senso de humor..."

A trama está menos artificial do que muitos posteriores, ou seja, usa com perícia o lado exagerado do melodrama mas nos ocupa com dores reais. O melhor de Almodóvar é sua sede por sangue, onde o filme norte-americano tudo limpa e media, ele mostra o que quer;
e nos faz pensar que coragem e que renovação foi esse filme há 20 anos... BrokeBack Montain duas décadas antes e mais forte...


Entendo agora porque Antônio Bandeiras se tornou famoso, antes de, como afirmou, virar "latino" e ter de enfrentar Zorros, bandidos e amantes românticos...

***


O Signo da Cidade me deixou perplexo. Mesmo que não queiramos, temos sim preconceitos com mulheres bonitas: pensamos que chegaram lá por seu rosto e não por sua competência. Bruna Lombardi já provou muita coisa, que entrevista como ninguém, escreve e atua muito bem, mas nada me fazia esperar o que vi neste filme....
Mas para não sermos levianos, vou falar logo do que não gostei: não precisava Eva Wilma confessar uma vida secreta, o porquê odeia o pai de Bruna, tudo em 5 minutos depois de ter repetido mil vezes "não fale com ele..." Tudo bem, em uma trama super bem bolada, fica discreto...

Também é estranho o filhão malhado que não encaixa nos minutos poucos que tem para chorar, é bom, num contexto de notas 10. Tudo bem, família é família...
A trama é algo surpreendente. Bruna tinha tudo para ser uma dondoca: está há tempo na mídia (com idas e vindas), bela, etc. Mas incorpora os sofrimentos dos humildes, falando da cidade em tons claros e escuros, mas sem deprê: sempre há janelas, amizades, cores que damos às coisas...
É a cara de SP onde a alegria vem da humanidade, dos contatos e criações humanas.
Muitos filmes estrangeiros não chegam aos pés deste. E a Bruna provou que tem mesm carisma, a ponto de querermos saber mais dela, dessa astróloga maluca que aos 50 pode namorar vizinho malhadão...
***

Meu nome não é Johny revela um Selton Melo carismático, perfeito na papel. Tirem a última legenda ("è a prova de que alguém pode se recuperar") e um cartaz com cara de comédia Disney (óculos escuros: ele tinha tudo, menos limite) e o filme fica perfeito.
Algum crítico disse que a Espanha estava presa em três estereótipos: drama social, comédia de costumes e não me lembro mais o que. Este filme, assim como Signo da Cidade, mostram que é possível contar outras histórias.

O roteiro é brilhante na sua inteligente comédia. A cara do Rio: "fuck you, fuck tu, fuck a porra do caralho!". O personagem dizendo "aquela loira era um amigo meu que virou travesti" é histórico. Não precisava aquela última "moral de história" depois de ter contado a vida de uma pessoa de modo integral, nos fazendo amar esse Johny maluco e "sem limite" (suaviza um pouco pra ele, claro, parece que não sabia o que era tráfico), deixando claro que nem havia uma maldade suprema nele, que parecia natural agir mal.

Este é o maior ponto de reflexão: sem os parâmetros que faltam em nosso universo filosófico, somos levados com "leveza" aonde não planejamos. O filme não mostra nenhuma tese sobre a imoralidade dos ricos, a família nem nada (que sono...), e também é de uma época em que tráfico, pelo menos na Zona Sul, ainda era muit menos perigoso e malvado... Filme brasileiro sem cara de estrangeiro.