Páginas

Ajude a manter esse blog

segunda-feira, junho 16, 2008

Chico é pop?

“Você vai se distanciar de seu povo. Samba, daí, nunca mais.” É algo assim que Joana, a Medéia do morro, diz a Jasão para amaldiçoá-lo. Há alguma coisa dessa verdade na montagem de Gota d´Água que assisti ontem, em direção de João Fonseca,com Izabella Bicalho e Lucci Ferreira como protagonistas.

A peça começa com um samba legal, depois outro samba legal. Ok, é Chico Chic, microfone, palcão e tal. Outro samba legal, e outro. É tudo muito perfeito, mpb pra gringo ver, dá um incômodo. Ok, não é tão raiz quanto o outro Chico, mas vai ser bom.

Aí começam os sambas em que você não entende o som. Será o cara que não canta bem ou a acústica? Começam caras e bocas, marcação de cena marcadíssima, você começa a pensar se nessa favela chic precisa mesmo um negão com a camisa do Flamengo, uma negra com roupa de oncinha e troço na cabeça e umas mulheres vestidas de anos 50. (A princesa de Jasão é a Emília). Você enxerga, simplesmente, a sombra do holofote no cenário. Os rostos ficam na penumbra e a luz foca outra coisa. Tem um Creonte excelente que salva tudo, um bom Mestre (apagado pelo diretor), um Jasão bem forte e expressivo, mais vivo que o último que assisti. Dá o intervalo. Calma: nada pode arruinar a cena fantástica de Joana matando os filhos.

Eu dou nota sete, tem música colorida e boas dancinhas. Uma amiga, com cara assustada, diz: “Meu Deus, eles estão muito frios. É muito comercial”. Outro responde: “Estão completamente distantes desses personagens, não se identificam”. Parece realmente impossível imaginar essa Joana no morro e não no Shopping. Sim, ela tem um vozeirão. Em um dado momento da canção, quando diz: “ANIMAIS!!!!”, parece mesmo que estava ali com tudo. Só que, quando volta a escuridão, fica mais patente ainda a diferença entre essa Joana e a de Georgette Fadel. Georgette estava ali tanto e tanto, a ponto de eu pensar- seria melhor moderar em alguma cena, é tensão demais... Mas funciona!

Depois as coisas pioram: tem música cantada com emoção, cenas mexicanas com “não me bata meu amor!” (uma cena que se repete em ritmo mais rápido é legal, mas um chute coreografado do Machão na barriga da Pobrezinha torna-se cômico) e os “pobres” dançando com algo como boá de retalhos e chapeuzinho Panamá colorido. Não dá. O público delira com as cenas Broadway, a evocação de Ogun com uma saia de cigana-Carmen-Miranda, um samba “Vila da Alegria” que vira funk e bolero.

Que diabos deu de o microfone ficar achatado e mugindo quando os personagens se abraçam? Nada contra seu uso, mas, de alguma forma parecia que tornava tudo ainda mais premeditado, como uma gravação. (Não ajudam os “fazerrrrr”, “comerrrr”, tudo com um português que nem o Pasquale pode falar...) No final, morrem as crianças sem que tenhamos sentido quase nada. (Quando, na última cena entram gritando “PAAAI”, você começa a rir). Quem pode chorar a morte de um menininho de camisa branca e calção marrom e uma menina de vestidinho e laço (ou quase)? Entra uma “Cumadi” com um agudo de “Rainha da Noite”, será pra nos acordar?

Enfim, será que neste mundo onde todos queremos imitar as celebridades, pois afinal as celebridades nos são dadas como modelo, será que é tão difícil assim mostrar o coração? Será que não temos idéias novas, vivendo dentro dos Jardins, será que a última vez que vimos um pobre foi no “Alô Amigos?”, ao som de Tico-tico no Fubá? Esperamos da arte um mínimo de ousadia. A música é boa, os musicais são bons, mas custava tirar um pouco de tudo- por exemplo, para que uma música do gigolô falando do seu pau (depois ele mostra a bunda, claro)?
Chico virou Deus, quando? Pobre de oncinha é mais fácil que ver a humanidade em todos, ricos e pobres. Na saída leio no folder: “graças a ... consegui realizar este projeto...” Como Chico é chic! A capa mostra as pessoas com as mãos na testa, (na entrada você pensa que é um gesto melodramático de “Ai Meu Deus!”), mas é só um ritual de macumba. Ai, Meu Deus! As desgraças às quais o diretor se refere- caos aéreo, a crise do Senado, o mensalão, as balas perdidas, João Hélio- são todas midiáticas e mostram a distância de outras tão reais: salários baixos, trabalho temporário, estudo-pró-forma, ônibus lotado, polícia na favela... Muito tempo depois de que Chico e Paulo Fontes tenham se aproximado do povo. “Samba, daí, nunca mais.”

domingo, junho 15, 2008


Era uma vez a Disneylândia...

Minha tia disse ter visto pela TV (Band): "Manifestantes jogam pedras na polícia e são presos no RS..." Um conhecido que estava lá disse: "Eles vieram com tudo... Que estudante e professora ia atirar pedras na polícia assim, de graça? Jogaram balas de borracha em crianças de 4 meses..."

Bem, pra ser "diplomático" fui catar mais informações. Senão vejamos...


"FOLHA
12/06/2008
Manifestantes presos durante protesto contra Yeda são soltos

Os 12 manifestantes presos pela Brigada Militar após um protesto contra o escândalo de corrupção no governo de Yeda Crusius (PSDB), na quarta-feira, foram libertados na madrugada de hoje.

Eles integravam uma marcha composta por 400 ativistas sem-terra e de sindicatos que pretendiam fazer um ato em frente ao Palácio Piratini. Os presos foram indiciados pela Polícia Civil pelos crimes: lesão corporal, violação de domicílio, danos ao patrimônio e resistência à prisão.

"As acusações são arbitrárias, não houve tentativa de ocupação, eles foram encurralados pela Brigada", disse o advogado Matias Nagelstein, que defende os manifestantes.
Os militantes de movimentos sociais foram impedidos pela Brigada Militar, com bombas de efeito moral e balas de borracha, de chegar à frente do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, para fazer um protesto.
(...) "
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u411908.shtml

ZERO HORA

"Manifestantes pedem a saída de Yeda do governo
Movimento foi impedido pela BM de chegar ao Piratini

Depois de invadir área do supermercado Nacional nesta manhã, no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, um grupo que manifestava contra o governo gaúcho foi impedido pela Brigada Militar de chegar ao Palácio Piratini. Capitaneado pela Via Campesina, o protesto juntou velhos conhecidos dos gaúchos, como os sem-terra, a personagens novos, caso dos universitários egressos dos movimentos. Ele se uniram em coro contra o governo de Yeda Crusius, abalado por uma crise política. "
zerohora.clicrbs.com.br/.../jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=Pol%EDtica&newsID=a1963167.xml


BRASIL DE FATO

"O que era para ser um protesto pacífico acabou em violência, feridos e prisões em Porto Alegre. Cerca de 1,2 mil agricultores, trabalhadores urbanos e estudantes iniciaram uma marcha na manhã desta quarta-feira (11) em direção ao Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, para protestar contra o alto preço dos alimentos e a atual política de incentivo às empresas transnacionais.
O primeiro momento de violência aconteceu logo que os manifestantes saíram do Ginásio Tesourinha e se aproximavam do Supermercado Nacional, onde iria ocorrer um ato público denunciando a atuação da rede estrangeira Wal-Mart. Quando se aproximaram do local já havia um aparato da Brigada Militar e da tropa de choque."

Bem, gostaria de saber como o povo deve se comportar quando o acesso a verdade se torna tão difícil... Essa é uma sociedade complexa, o valor simbólico das coisas (foi notícia? poder de atingir, informar, atrair) supera qualquer realidade imediata: 100 crianças podem morrer de fome e isso influi menos que um minuto de comercial. Quem fez, o status de quem fez, o "reconhecimento" social, conta.

Uma manifestação onde pessoas são presas tem pouco poder de afetação: não atinge o "valor simbólico" que, talvez, mil panfletos atingiriam, modificando consciências.
Vivemos essa "realidade paralela" onde um conjunto de normas e idéias do bem são transmitidos pela força e pelo raciocínio simplificado (paz é boa, aceite tudo), matrizes de compreensão que saem dos canais de poder massivo de marca e informação (não apenas poder micro-físico foucaultiano, mas poder de fazer saber em escala masssiva, ideologia= alguém duvida, pergunte ao seu amigo o que tem a dizer sobre Hugo Chaves) e invadem as relações cotidianas com os escravos reproduzindo a opresão com outros subjugados - para receber reconhecimento, deve-se calar, identificar-se.
Pior, na sociedade em que tudo é bom e vai melhorar, cria-se a sensação de que criticar é "chato", "imoral", "ignorância", bom é lutar sozinho... Querer mudar é coisa de criança! Depressão individualizante que separa o eu do outro, o eu do mundo, o eu do eu (do corpo, do entendimento, do sonho...)

Os ambientes de diálogo acabaram depois da concentração de renda brutal ocorrida desde o capitalismo do séc. XIX, depois pelo poder da mídia de massa e pelo fim dos empregos na era tecnológica: sem troca não há mais consciência coletiva. O sentimento de dignidade a priori, que legitima o outro, foi perdido na avalanche fim da metafísica.

O ser da modernidade vale pela informação útil, não mais pela relação de classe. Se a coletividade grega buscava a honra e o sacrifício de uma sociedade militar, a cristã buscou a contemplação a bondade e a humildade e a industrial- com sua democracia do papel- buscou a eficácia, a informação transformadora e a renovação, a sociedade pós-industrial, feita da democria passiva das tribos, valoriza a manipulação do marketing, a superioridade e a agressividade da produção. Nada disso tem a ver com protestos.

Os seres sem palavra estão confinados em seus pequenos mundos: a "palavra que puxa palavra" , de Machado, que traz o mundo imediato, depois o imaginável, depois o pensável, tornando o raciocínio complexo e abrangente, foi roubado pelo preço dos livros (privatizados) e pelo poder da ligação simplista da publicidade (compre=seja feliz) e da mídia (informação by Méc Donald sem compreensão).

O reconhecimento social, no conceito de Axel Honneth, não chega agora a nenhuma camada da sociedade. Todos podem ser fagocitados pelo símbolo que lhes fala.
Então, se o eu é apenas "o pedido que vem de fora", um EU no sentido de Lacan, todos vivem uma convivência artificial, onde nada de revolucionário e honesto pode surgir. Quem brinca de pensar pode sair ferido.