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sexta-feira, novembro 26, 2010

Pedras

Quando eu era criança, meu pai dizia: “Você quer ser uma águia ou uma pedra?” Eu sabia a diferença, as águia seguiam livres, sempre melhoravam e tudo que precisavam era de um céu. As pedras eram chutadas pelos outros.

Um dia, cansado de ver tantos corpos expostos ao frio, a chuva, gente dormindo na pedra fria, tive a ideia de ligar para algum serviço da prefeitura. Um pouco surpresos, os funcionários me davam um telefone atrás do outro, até que descobri.

A primeira vez que liguei foram gentilíssimos, inclusive me ligando no dia seguinte para informar que sim, as pessoas haviam sido recolhidas.

Mas os dias frios continuaram. Eu sabia que provavelmente eles estavam pelas ruas, provavelmente o livre arbítrio da sociedade livre deveria prevalecer, mas a cena miserável dessas pessoas degradadas, alguns rostos tão sofridos que parecem mesmo alienados, sem estarem de fato drogados, me deixava chocado. Que fazer?

É claro que isso deveria levar à questão sobre o acesso, a informação, a capacidade do sistema e até mesmo sobre a história do Brasil e dessas pessoas: quem são como chegaram até aqui? Que ambiente é esse para o qual as pessoas não desejam ir (as rápidas visões e informações que eu tivera descreviam o inferno).

Passei a ligar sempre que um dia mais frio acontecia. Dia a pós dia, mudavam alguns atores, a tragédia permanecia, ainda mais que se ouve falar de redução nas vagas e na extinção de albergues no centro, tentando "limpar" à força a cidade. Provavelmente não era lógico, mas aquelas pessoas seriam lembradas de que eram seres humanos. Legal.

A ligação de cortesia sobre o resultado sumiu na terceira vez. Aos poucos o telefone passou a não atender. Tudo bem, hora do café.

Na penúltima ligação eu perguntei: "Tenho ligado quase todo o dia, será que há outra forma de resolver isso?" Uma moça simpática disse que eles eram avisados do local do albergue. Ok, mas pelo estado das pessoas, talvez isso não fosse tão fácil.

Na noite seguinte vi outro corpo, enrolado em lençol, três prédios a frente. Chovia um pouco, a noite mais fria do ano, anunciava o jornal. Lá pelas duas da manhã, acordei com a chuva que explodiu. Tive de ligar.

Na voz mais grosseira do mundo: "O Senhor tem ligado todo dia. Eu não vou mais abrir solicitação!" Subitamente me vi no papel de criminoso.

"Desculpe, eu apenas passei ali mais cedo, vi essa pessoa, queria ajudar, mas se não é possível..."

"Não é que não se queira. As pessoas que estão ali já sabem sobre o alberge!"

A voz responde, irritadíssima: "Vou abrir solicitação" e, praticamente, desliga na minha cara.

Então, percebi, que eu era apenas uma pedra.


Ajr

Legal...

by BBC/ mixbrsil

O trio Delphic, de Manchester, ficou ficou em 3º lugar em uma lista da BBC que indica os artistas que devem despontar em 2010.

Mais de 165 formadores de opinião, entre críticos, blogueiros e jornalistas, votaram.

Avesso a definições, o grupo diz que mistura a euforia da dance music com elementos emocionais da música indie, acrescentando uma pitada da “melancolia” de Manchester para criar um estilo próprio.



quinta-feira, novembro 25, 2010

As duas piores entrevistas da história

(uma delas, muito boa...)

O que leva alguém a iniciar uma entrevista dizendo “além de velho, punk e católico, como o senhor é descrito...” (sim! descrito pelo come-tudo-Murdoch - seria tanta a ingenuidade?), principalmente em se tratando do inacreditável crítico Terry Eagleton, uma das leituras contemporâneas mais intrincadas, lúcidas e abrangentes - Harold Bloom diria, muitas vezes, depois de Shakespeare!

Por que começar com a petulância sofisticada do “centro” na moda no estilo “já que o marxismo é uma piada, vamos entrevistar esse marxista”... e continuar com “o senhor disse que o futebol era o novo ópio do povo, já que está no Brasil”...

E, evidentemente, na continuação, poderia ter evitado o que soou como ironia batida sobre a "fé no marxismo", e ficado sem a merecida "o que você chama de ... primeiro, todo mundo tem fé em alguma coisa." ("Ah, sim foi nessa fé que eu falei...")


E o que leva alguém a tratar Madonna com superioridade como alguém que "escolheu seu primeiro nome" e “concedeu ao marketing (sic)”?

Uma produção canhestra que nunca fez Vogue, claro... (ou sim!)

Bem, a eleita maior bizarrice do nosso mundo midial... Histórico...






segunda-feira, novembro 22, 2010

Yeats Unplugged

A preguiça me faz querer Yeats em pt.
Mas nada me irrita mais do que traduções empoladas, que falam mais e pior que o autor.

O pobre Whitman sofre com suas "Folhas pela refulgente Relva levadas" e a Ilíada (como já comentei) eu até transformei (bem ou mal) em teatro só pelo prazer de acabar com os "bronzelínios bronzes brilhando solincandecentes" ...
É a velha idéia de "Alta Cultura", tudo que é de fora e não pode ser apenas "bronze".

Então, aí vai, com dicionário e tudo...

THE LAKE ISLE OF INNISFREE (1892)

I will arise and go now, and go to Innisfree,
And a small cabin build there, of clay and wattles made;
Nine bean rows will I have there, a hive for the honeybee,
And live alone in the bee-loud glade.

And I shall have some peace there, for peace comes dropping slow,
Dropping from the veils of the morning to where the cricket sings;
There midnight's all a-glimmer, and noon a purple glow,
And evening full of the linnet's wings.

I will arise and go now, for always night and day
I hear the water lapping with low sounds by the shore;
While I stand on the roadway, or on the pavements gray,
I hear it in the deep heart's core.


Eu vou surgir e ir agora, e ir para LivreMundo

E uma cabana pequena lá fazer, feita de argila e vime

Nove fileiras de feijão lá terei, uma colméia de abelhas mel

E viver só na clareira som-de-abelha


Eu devo ter alguma paz lá, a paz vem em lentas gotas

Pingando dos véus da manhã para onde canta o grilo

Lá a meia-noite é toda trêmula, o meio-dia um brilho violeta

E a tarde cheia de asas de pardais.


Eu vou surgir e ir agora, para sempre noite e dia

Eu ouço a água murmurando graves sons pela margem

Enquanto eu continuo na estrada, ou nos caminhos cinza

Eu ouço no profundo fundo do coração.



Versão
Afonso Jr. Lima

domingo, novembro 21, 2010

Grandes entrevistas

Marcel Proust

Entrevista extraída da revista Espaço & Debates, v. 11, nº 33, 1991

* * *

Nos últimos anos de sua vida, Marcel Proust se isola no seu quarto de doente. É lá que ele escreve Em busca do tempo perdido, cujo primeiro volume é publicado em 1913. Um ano antes, no mesmo recinto, ele concede a entre­vista abaixo (extraída da revista Globe, nº 59, julho/agosto 1991).

No seu quarto, com as venezianas quase sempre fechadas, Marcel Proust está deitado. A luz elétrica acentua-lhe a palidez do rosto, mas dois olhos admiravelmente vivos e febrís reluzem sob a cabeleira desfeita, encobrindo a testa. Proust continua escravo da doença, mas já não o parece quando indagado sobre sua obra, se anima e fala.

http://www.tirodeletra.com.br/entrevistas/MarcelProust.htm
Ótimos documentários sobre livros...

Grandes Livros - Episódio 8: "Livro do Desassossego", Fernando Pessoa

segunda-feira, novembro 15, 2010

A ciência do comportamento e como aplicá-la nas empresas
CBN -Mundo Corporativo

Entrevista com Orlando Pavani Júnior, diretor-executivo da Gauss Consulting e especialista em Ciência do Comportamento

http://cbn.globoradio.globo.com/programas/mundo-corporativo/2010/01/23/A-CIENCIA-DO-COMPORTAMENTO-E-COMO-APLICA-LA-NAS-EMPRESAS.htm
Duo

Lá vem
sol
caminhamos sem rumo
o pensar se abre
há sempre outra porta

E o que importa
é estarmos juntos
criarmos ouro
criança

A esperança
passado é futuro
ouro quente
semente de paz
nossa dança

o sol
nossa vida
sem centro e sem selo
desespero,
pular por sobre
em direção à
o mar

Quixote no espaço
gente é pulo
outro ser
alegria da cartola
limonada, omelete
sozinho, no olhar
matar o dragão
dizer não ao não
tempero no aço
tudo cria
o tempo
não se aquiete
nada se repete
é o caminho
viver

não me diga a felicidade
a verdade
é estar vivo
atento
ter corpo lá dentro

rumo ao farol
nossa história
a calma do inverno
sem modelo
primavera da alma
vale
juntos
o agora é que pode
a dança
torta
do sol
a memória
da vitória
há sempre outra porta



Afonso Jr. Lima

sexta-feira, novembro 12, 2010

Amar

O Conhecimento mata
curiosidade vivifica

o conhecimento destrói
e também edifica

conhecer é julgar
e um modo de vida
sem contraditório
parasita

a verdade é o dia
o saber é finito
salva o riso
arte, pensar com sabedoria

conhecer não é
celeste
sabemos tanto
que tudo perdemos
o mundo não passou
no teste

Um pouco de saber
é sempre profundo
te dou todo o vazio
se me adorares

conhecimento é esperança
ser sem saber
o mistério
jogar faz o infinito

meu mel não cura ferida
não trabalho para agradar a Deus
Deus é meu vinho e renasce
uma criança da dúvida

pessoas: o novo
saber agora é mais que céu
além da razão
que glorifica o meu
toma a colher sagrada, símbolo de nosso jogo
a verdade e o mito se fecundam

uma brincadeira de circo
aqui e agora
com sentido de nada

mas que desenrola e desata
fingindo

pensar é pouco
pensar o coração
o não
Pensar para unir

que sabemos nós, nessa louca jornada
senão que estamos
e somos a tribo

e que o ouro aqui não é lá
e que dominar é pouco
saber semente
quer chão

knowledge is misunderstanding
conhecer para amar

Afonso Jr. Lima