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quinta-feira, dezembro 26, 2013

Austin

Ele deixou cair o jornal sobre a mesa e a xícara fez um barulho.
- Você esta tremendo? - perguntou sua esposa.
Na estrada escura, havia dado carona no caminhão para um sujeito alto, magro, negro, de tranças, que não levava nada nas mãos.
- Eu vou pra Austin.
Sentou. Parecia contente com sua sorte.
- Estou vindo de Minas.
- Minha mulher era de Minas. A primeira.
O homem calado parecia tão maltratado pela vida que perdera a vivacidade e a ousadia da juventude. Respondia a tudo sem constrangimento, mas falava o necessário. Ao pararem num restaurante de estrada, disse que não ia sair para comer. Uns dois dias, calculou. O caminhoneiro lhe trouxe um sanduíche e castanhas.
- Todo mundo devia comer isso, mas pobre não pode. Dá energia, sabe, disse com um pouco de melancolia no rosto.
O outro comeu com vontade. Depois adormeceu.
Ao chegarem perto do lugar, o motorista havia pedido que observasse as placas, devia descer na Loja Mauritânia.
- Não sei ler não senhor.
- Você sabe que daqui até Austin dá uns bons quilômetros? Vai assim, sozinho, de noite?
- Vou sim senhor.
Quando foi descer percebeu que perdera dez Reais que levava no bolso. Todo o esforço com duas lanternas não foram o bastante.
- Deve ter caído no banco – disse o caminhoneiro abrindo a carteira – Pega, vai com Deus. O homem resistiu, quis procurar mais, ele não deixou.
Começava a cair uma chuva fina. Quando o homem atravessou a estrada e sumiu na escuridão, o caminhoneiro disse:
- Brasil filha da puta.
A manchete do jornal dizia:

Um homem negro não identificado, foi arrastado pela correnteza do rio que corta Austin, na Baixada Fluminense.

(Afonso Lima)

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