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sexta-feira, novembro 07, 2014

como eu estava morrendo


Como o autor já havia morrido, ele, com já mais de cem anos, buscava levar à julgamento os descendentes daquele. "Ele roubou minha vida: toda a vez que conto para alguém um episódio de minha vida, a pessoa diz que já leu isso em outro lugar". (Escreveu: Levavam o caixão pelas ruas da pequena cidade filas de homens de chapéu e mulheres bem vestidas. Filho supérfluo de pai supérfluo, começou bem graças ao cargo fictício criado para o pai inútil, mas de salário vitalício). De fato, juiz, mudara-se para outra cidade e sofrera uma queda no meio da reforma da casa recém comprada. Vivendo em casa, com o filho adolescente, uma vida de mentiras, o viver para o meio social, reflexões sobre a existência, a solidão e as coxas magras, tudo, tudo já havia sido escrito. (Escreveu: Chamou a carruagem, lembrou-se, enquanto ia para o cemitério, de sua vida de Tribunal, jogo de cartas, chegando em casa e ouvindo que sua mulher recebera visitas, seu filho estudara com o tutor, tudo ia bem, lia um livro, lia documentos. Desceu, pagou o cocheiro, ouviu o trovão e pensou que sua primeira visita ao seu futuro túmulo ia ter água.) Mesmo minúcias como a cor verde da sala de visitas da mansão, o local da casa de campo do cunhado, a cadeira do Tribunal... O juiz ficou espantado. Mas, tendo morrido o autor, decidiu arquivar o caso. "No fim, escrevi um livro para sair de dentro do livro". (Escreveu: É com profundo pesar que a Sra. X participa a amigos e parentes a passagem do juiz seu marido, membro da Corte Suprema, de quarenta e cinco anos, que deixou a vida no dia 02 de fevereiro. O enterro será sexta-feira à tarde). 

Afonso Lima

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