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domingo, dezembro 28, 2014

Aquarelas

O jovem Hans tinha um talento para aquarelas. Pelo menos foi o que lhe disseram, na praia, as tias animadas no almoço em frente ao mar. Ele passou aquela noite no quarto desenhando, e tiveram que chamá-lo duas vezes para o jantar. Entre um charuto e outro, seu pai deixou claro que isso seria impensável. “Temos um nome nessa cidade, não viverás com a renda de um artista”. Seus sonhos se despedaçaram mal formulados. Ele passou no vestibular, dedicou-se com afinco aos estudos de advocacia. Conquistou algumas meninas com suas camisas pólo de marca, aprendeu a dirigir bêbado, conheceu os meandros de Miami e já se via como herdeiro do pequeno império, confiante da sua superioridade. Adotou até o modo de falar de seus tios, ao referir-se aos “bárbaros inferiores”. Infelizmente, um ano depois de sua formatura, quando ia ser efetivado no escritório de um amigo do pai (“não podemos dar de bandeja uma posição”), caiu doente.
Pálido, febril, sem nada que pudesse ser diagnosticado, recomendou o médico da família que fosse para a casa de campo. Durou seis meses e cento e vinte aquarelas. Hoje elas estão na coleção do Museu Nacional.

Afonso Lima  

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