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segunda-feira, outubro 12, 2015

Talvez a Sérvia


Totalmente incerto sobre o seu futuro. O pouco o que expressar. Que tipo de estranho ser é esse, aparece, desaparece. Esse estranho mundo, que sonha com sonhos. "O tempo dos Habsburgos sonhava com a harmonia de uma totalidade, unindo artificialmente um mundo em pedaços", alguém diz. A beleza das coisas que ainda não nasceram completamente. Sob o olho-lua da mente, um homem e a neve no seu pescoço. Começar.
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Ele partiu para Praga em 1939 para estudar Direito. Mas as universidades foram fechadas naquele ano. Depois, veio a outra ditadura. Seus livros só foram publicados décadas depois, ganhando o mundo. Esses manuscritos são da época em que trabalhava como guarda de armazém, caixeiro-viajante e metalúrgico.

- Apontamentos - "Mas ser mandado embora? O que será que eu fiz?" - diz o autor na sua biografia. Um jovem é colocado para fora de sua casa como castigo. A mesma cena de Kafka. O peso de uma lei arbitrária. (Ou um amor que ensina a adaptação, ainda não existe o coração livre). Por acaso, ela se duplicava num Império decadente e autoritário. A modernidade foi o poder absoluto. Talvez um deus que afoga e pragueja.

"Como um tolo, simplesmente não tenho talento para a quantidade de humilhações e silêncios que um homem pobre deve suportar em sua estrada pela ascensão" - escreveu X em uma carta.
Um estranho, um excêntrico numa época na qual não há clareza. Talvez ele venha da Sérvia. "Por que eu, leitor, devo perder tempo com esse herói?" - diz o russo.

Acordo às 2h e 33 min para escrever: O que Freud aprendeu com Dostoiévski foi a repressão (a lei? supereu?). Sua alma rebelde foi terrivelmente barrada com o medo da morte. Teve de sublimar seus sentimentos num aparato católico. Teria enlouquecido se não pudesse falar com máscaras. É por isso que seus personagens radicais têm tamanha força, são seu eu reprimido. Talvez esse herói seja uma mulher. 

Ou um jovem de 13 anos. Pálida, controlada, incapaz de ler em uma biblioteca por recato. Ela leva seus livros para um lugar afastado? Um cemitério? No fundo, cheia de paixão. "Ela usa uma capa de reserva para esconder sentimentos violentos", me disse minha mãe sobre uma moça.

Uma ideia. Por viver num mundo seu, fantástico, gênio-ingênuo, "ignorando as regras", "contra o falso gosto". (Schiller) Uma máquina-espelhar. Hamlet é uma espécie de máquina que faz aparecer o que as pessoas esconderam, o que a razão tornou normal. Ele enfia uma foto do marido (rei) morto na cara da mãe, que ainda se deixa ser uma mulher medieval. Não foi o incesto que Freud viu nessa cena. Da mesma forma a peça que representa coloca Cláudio dentro de um insight sobre si mesmo. - Entra no estúdio do pai e "rouba" autores. Ou ignora pretendentes. 

A imagem de uma mulher pálida, ruiva, caminhando resoluta com sua capa me aparece. Talvez seja ela que conversa no túmulo da falecida mãe, que publicara um livro aclamado, que morreu ao lhe dar a luz. Ela, criticada pela madrasta por ler demais e dar pouco valor ao trabalho da cozinha. "Um herói modesto e indefinido". Não mais por hora. 
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Em 1963 seu primeiro livro foi lançado, com sucesso. Em 1968, dois livros foram proibidos. Em 1976 seus livros são liberados. Todo um sistema de livros clandestinos, entretanto, funcionava. Em 1981, um filme inspirado em seus escritos ganhou o Oscar. 

Afonso Lima

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