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segunda-feira, janeiro 18, 2016

Um museu de província

Fui contratado como tradutor numa conferência da ONU em Montevidéu. Decidi ficar num hotel menor, onde poderia ler e escrever à noite. Esse hotel parecia muito decente, com sua estátua de Vênus, o quarto parecendo a cela de uma prisão, com espaço para pouco movimento, um armário trancando a porta do quarto conjugado e pombos que vinham na janela. Além disso, ficava ao lado de um cinema, parecia que estava num filme preto e branco dos anos 1950. Alguns filmes antigos me fizeram companhia. 
Meu conto começou quando lembrei de uma série de fotos que um amigo artista plástico me mostrou. Seus quadros representavam uma antiga casa de província, salas vazias, a luz noturna que penetrava de uma fonte externa. Ao longe, a figura de uma mulher. Eu imaginava uma mulher que chega a um museu de província e percorre sozinha essa exposição, e de repente percebe que aquele lugar foi retratado nas imagens, e é como se notasse a presença de dois universos paralelos, cada um com um conjunto de leis, um tempo e um espaço. Ela chega a duvidar qual deles é mais real e por fim entra dentro do quadro. 
Eu fora praticamente obrigado a convidar um colega datilógrafo que se ofereceu para tomar alguma coisa comigo num dos bares charmosos da vizinhança. Eu suspeitei que depois de alguns copos, com imensa vergonha, ele me pediria dinheiro, ganhavam muito mal. Contei-lhe sobre meu conto. Ele disse que, certa vez, foi a um museu longínquo muito semelhante ao que eu descrevia. Lá, observou uma mulher imóvel frente a um quadro que retratava uma mulher de costas num aposento no qual apenas uma cadeira e uma mesa recebem uma luz forte. Imaginou se ela perdera um amor, se perdera um filho. Imaginou que ela decidira sair pelo mundo de carro, chegar a um povoado distante. É como se a realidade fosse assim, algo forjado, é como se ela estivesse em outro tempo e espaço, é como nesses hotéis profundamente silenciosos, nos quais não se hospeda quase ninguém, e que têm uma porta bloqueada por um armário, ao invés de simplesmente uma chave, ele disse. 
Ao acordar, na minha cama, pensei ter vivido um pesadelo. Faltava algum dinheiro em minha carteira. 

Afonso Lima

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