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sábado, agosto 06, 2016

Uns mil corações

(AFP)


Alma lavada. A abertura passa uma mensagem e nos representou.
Um clima de ansiedade pairava sobre esses Jogos. Quando eles foram anunciados, vivíamos o ápice da social-democracia das commodities. "Pela primeira vez na história um país sul-americano produz mais riqueza do que o Reino Unido".

A Copa mostrou que, no Brasil, qualquer coisa grande terá de deixar um gole pro santo... (E foi muito usada politicamente para desgastar a imagem do PT).
Conforme o economista Paulo Furquim, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade):

“Estas situações com grandes projetos, formação de consórcios e vencedores que se alternam trazem evidências que mostram uma probabilidade não desprezível de existência de cartel. Evidências adicionais como superfaturamento são motivos suficientes para investigação. São certamente situações preocupantes, em que uma autoridade de concorrência deve colocar uma lupa e olhar com bastante cuidado”.
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/empreiteiras-se-revezam-em-obras-da-copa-e-olimpiadas/

Grandes empresas ganhando dinheiro, modelo para o mundo. 
"A exemplo do que está planejado nos Jogos do Rio de Janeiro, a Vila dos Atletas da Olimpíada de Tóquio, daqui a quatro anos, também deverá ser transformada em condomínio de luxo, sem espaço para moradias sociais.

Segundo Masa Takaya, diretor de comunicações do Comitê Tóquio 2020, a ideia é transformar o complexo em uma "região icônica da vida urbana de Tóquio", voltada a "apartamentos de luxo, como no Rio de Janeiro". (BBC)

Nós somos maduros o suficiente para separar a hospitalidade com os estrangeiros, o que representa uma olimpíada em termos de união dos povos e tudo que é feito em seu nome. O ideal vive quando defendemos a democracia, que, afinal, é grega. 

E a abertura conseguiu lembrar o que nos motivou a concorrer pelos jogos anos atrás.

Um dos grandes desafios é preencher espaços grandes com gente pequena. Dias antes o organizador falou que os cortes levaram a uma "gambiarra" - vimos que foram as projeções, que podiam tornar tudo uma Atlanta 1996, fria e tecnológica, mas foram usadas com criatividade.

O perigo é virar o que foi a Copa - meia dúzia de pessoas visualmente insignificantes com uma coisa redonda no meio. Mas essa é a diferença entre FIFA e COI. Como bem disse uma amiga, nem sempre no Brasil são os melhores que fazem as coisas...

Toda cerimônia de abertura tem momentos mais e menos empolgantes. O pior que podia ocorrer é projetar a imagem do Brasil muito monolítica, folclorizada, de fora pra dentro (a "baiana" de Carmem Miranda até aparece no NYT nos "Essentials of Brazilian Music"), apenas floresta e carnaval, favela ou apenas Rio. (Ainda assim, houve frases desnecessárias como "Hoje o mundo é carioca"; lembrar que a Globo tem uma forma incrível de reduzir o Rio e projetar um Brasil que é apenas Rio). 

A festa iniciou com um show de fios em contraste com projeções lembrando as matas e os indígenas - deslumbrante. 

Depois, assustou um pouco o caminhar dos escravos - fraco visualmente, e correndo perigo de associar um grupo a um estereótipo, mas salvo na trave por projeções em que a terra ia sendo transformada pelo trabalho.

A festa levanta de novo com os japoneses e suas bandeiras vermelhas. Por que a ideia não foi usada para outras etnias? Os árabes ficaram meio sem cor. A vantagem foi essa: belas imagens engoliram as mais fracas. 

Gisele Bündchen como garota de Ipanema foi de uma elegância genial. Não fez falta a polícia e a proteção ao menor planejadas. 

Elza, apareceu pouco, nem com a força visual que podia ter (Canto de Ossanha foi engolido pelo "momento funk"), mas era uma homenagem muito necessária. Acho que a cena do baile na favela foi linda, mas ficamos um tempo longo com a mesma imagem. Zeca Pagodinho e Marcelo D2 fizeram um jogo interessante sobre dois ritmos musicais na mesma música, mas a projeção podia ter saído do mesmo verde e rosa...

A transição mais WTF foi de um muro de caixinhas para o 14 Bis. As caixas brancas descem de um muro de prédios em Construção que se espera chegue num ápice... Deborah Colker - enorme expectativa - foi legal nas paredes, mas ficou meio perdida na projeção esfuziante.

A luta com fogos foi deslumbrante. O maracatu quase fica perdido no meio de um enorme gramado (porque a roupa é linda e as câmeras ficaram meio longe), mas a projeção o salva. (Passando rápido por Regina Casé, que quase estraga tudo dizendo "chega de briga!")

O mesmo com a festa de palhaços coloridos ao som de Rio Maravilha. Mas como é uma maravilha, ganhou. E o público arrasou na capela.

O comentador globista conseguiu esconder o vídeo sobre o aquecimento global...

(Mas na Record, alguém consegue dizer que os membros das delegações estão "vestidos em homenagem à Iemanjá" ou "Essa aí vai pro baile"...)

A parte mais emocionante foi o poema do Drummond. Judi Dench e Fernandona.
Nem a Anitta conseguiu apagar o show (no país de Leila Pinheiro).
Nossa tocha tombou geral. É sempre um grande momento. A cara do Brasil, mesmo vindo da gringa.
Foi um grande alívio não vermos o vexame da pasteurização globista na TV. 
A mensagem do poder dominante é "esqueçam os problemas, não causem problemas". Mas somos sempre um povo de mil corações e podemos conviver com a contradição.
Por sorte nosso povo lindo não confunde as coisas: manifestações, shows de protesto, uma agenda de debates são cobrar as casas populares, liberdade de expressão e a democracia ameaçada. Sem fugir à luta.

Afonso Lima




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