Páginas

Ajude a manter esse blog

terça-feira, setembro 27, 2016

canção de um chapéu

O romantismo ficou perdido
o mesmo rosto impossível mas busco
memórias forjadas e mestres sábios
aquelas flores súbitas
e monstros
conceitos novos e bestas nunca ouvidas
corpo de tinta
banquetes dos deuses em diários de campo
a natureza mesma e sempre me angustia
me liberto do
mato fauve e do mito messiânico
desconfio do concreto armado do discurso
e do instinto salvador da língua
saltando pela pouco eterna desconstrução ruidosa
deixando o objeto me olhar eu me descubro
sereno mar de fluxos e futuros
embaralho a noite
e risco o dia
salto por sirenes e saldos de liquidação
entendo o ódio ao sujeito nomeado e ao objeto passivo
limpamos o caminho das palavras, empobrecemos as palavras
mas como as coisas eram feitas de palavras
ficou o chapéu oco
nunca olhado enquanto são cortados pedaços de vida para a vitrine
perdido sem signo e a raiva
o homem comum significado e opaco
adulterado inquietação de sempre guerra
calculando arrastado ao livre mercado
gélidos dedos
a lua em promoção
classe política contaminada vinte anos nas sombras
as palavras ditas duplas ritual e cinza
mente diluída
em letras minutos
não quero o monte de átomos que
apaga os átomos outros obrigado
luto pelos traidores burocráticos
o chapéu me observa e outras naturezas desse olho
brota do tronco a disforme verdura
o fazer com as mãos
o sonho impróprio
brusco não ao muro que dura abertura sem vão
oco socorro grito palavra raiva
são relatórios e promessas e gestos e não
são gestações e revides e cuspidas revolução
é são paulo quem vence e quem perde
máscara de livro suposta escola suprema
desvaloriza a carne e policiamentos internos
tiro de manchete
prisão profética
mas sobre o que é tudo isso mesmo?
o trilho definido
investimento certo
unívoco coro
nós desprezamos as histórias, nós não contávamos mais histórias
cientes de nossa névoa e de nosso perigo
mas um mau enredo é ainda melhor que medo
e a dança do órfão é melhor que progresso nulo
que ritmo é esse esse ruído
eu não tenho uma solução grandiosa
apenas faço silêncio
respeito pelo pequeno
evoco o fragmento heroico
nada desprezo
com meus passos vou pesquisando
ontem e amanhã
música sobre música
nem expressar a si mesmo voluntariamente
pouco juvenil na demolição
marinheiro escrevendo em runas em Istambu
mercador traduzindo passantes massas urbanas e sinos
no processo de fazer o objeto algo surge
fazendo meu trabalho e a coisa aparece diálogo de vozes
vestindo teorias como figurinos de contos de fada
o que dizem os mortos, pássaros, pedras e outras línguas
observo os saberes confinados
túmulos avaliações e orçamentos
produção e ilhas no deserto
acúmulo cego e nada é novo
compraste a certeza de um dia na planta lixo
riso não raiz e gente planejada de manada
essa linguagem impossível
acossada pelo tempo
do choro na cova e despalavra sacudido
nem potência nem de costas para o mundo
cidade em guerra
cantar o canto cantado
salvar essas memórias letradas
contra os artefatos de controle e modelos mentais
brota liso
e crespo em folha
e do tronco
sol inesperado
eco do morto
e muda o objeto tão simples
caminhos de pedra dura não repetida
água curvada
memória de imagem e raios de quadros por segundo
futuro de espaço e um poema espontâneo

Afonso Lima



segunda-feira, setembro 26, 2016

O antigo poema

Juiz supremo, cuja lei é a faca
Lembra o poema sobre a folha recém caída
"Nada além de areia, metade afundado, face despedaçada"
Oh, grande inquisidor, profético e aguerrido
A lei em tuas mãos faz tremer o inimigo
"E lábio e sorriso de frio comando esculpida
Nada mais resta: em redor a decadência"
O medo é teu conselheiro, a vingança tua ironia
Mas vento anuncia geada, à noite segue o dia
"Daquele destroço colossal, sem limite e vazio"
Um dia um viajante de terra muito distante
Há de recitar a história, a queda do rei arrogante.

Afonso Lima


terça-feira, setembro 20, 2016

O caminho

Entre fileiras de lírios segue a Mulher seu caminho
Nuvens escuras esfriam o chão e o céu - sigo
Estou ao lado da verdade e deixei a alegria, correnteza de superfície
Os exércitos, na névoa, atacam a si mesmos
Sua poção não vai me tornar insensível
Sou um menino, me leva aos Sete Céus
Rir, cantar, contar velhas histórias
O rei do Dragão sumiu, essa é sua vitória
Senhora do Inferno, eu aceito sua força
Quem venceu e quem perdeu, quem está dentro e quem está fora
Vejo o pequeno mundo, vejo a donzela que morreu jovem, o caderno de poemas
Os espiões do deus que assumem o mistério das coisas


Afonso Lima

domingo, setembro 18, 2016

Réquiem - de Robert Louis Stevenson

Under the wide and starry sky
Dig the grave and let me lie.
Glad did I live and gladly die,
And I laid me down with a will.

This be the verse you grave for me;
"Here he lies where he longed to be,
Home is the sailor, home from sea,
And the hunter home from the hill."

*

Vejo o vasto e cheio céu
Cave o leito, deixe-me deitar
Em paz eu vivi e em paz me deito
Quero minha paz tão pequenina 

Deixa na pedra o verso infeliz:
"Aqui ele deitou onde sempre quis"
Ao lar o marinheiro, voltou dos mares azuis
E o caçador caminhando da colina 


versão: Afonso Lima


Dream

O espírito da música aqui chamei
coro de água e folhas douradas
meu corpo recebe e aceita
budas, flores de duas cores e vinho na mesa com amigos
o que corre fluído e o que muda

deixei o tempo gasto para agradar quem quer que seja
eu sou o nada, som das coisas, e depositei no chão tudo que sabia
o manto vermelho, lança e meu impulso
venho do acaso e do verão, vendo obscuridade

O espírito da música liberta o dia
Não quero ser profundo e toco o centro da terra
Um menino corre atrás de sua bola azul
Aqui tudo é mais lento e justo, estamos juntos
ele sobe na pedra, pequenas asas azuis, canção
coro de água e folhas douradas

Afonso Lima

sexta-feira, setembro 16, 2016

Ser tão ainda

Esse infindo sertão
de misérias de terra e luta
a plumagem e o romano
a máquina e o pássaro

Aqui a mulher com filho
No rio mergulha a criança

Luta de terra e gente
fronteira de quase vida
caminho seco e chicote
de golpe em golpe rendido

Aqui a mulher chorosa
deixa sua esperança

africano, judeu, japonês
com sotaque de alemão
santo de outro progresso
e acabou em revolução

No fundo do rio mortal
dorme o anjo sem mais sofrer

tragédia grega sem garbo
sonho de mar ausente
um rio que avança e inverte
fronteira moendo a gente

Afonso Lima






quarta-feira, setembro 14, 2016

Forças obscuras no Brasil Velho

As atuais propostas de governo refletem uma mentalidade muito arcaica, abaixo do liberalismo conservador das capitais e das elites médias, que tentam combinar o estar "agarrado ao seu bem-bom e indiferente a tudo mais", como diz Mario de Andrade, e o aplacar da consciência. 

São ataques aos índios, aos negros, aos parentes de presos políticos. Revela uma incompreensão dos processos formadores do Brasil e das forças que geram a complexidade. 

Pior, está gerando um bloqueio comunicativo perigoso, um "libere sua irracionalidade", já que é impenetrável à críticas, que chama de "esquerdismo". Esquerdismo pode ser, por exemplo, ser à favor de polícia não letal. 

A classe média liberal tinha sua referência no PSDB, o "partido da mídia", como o vendeu Franco Montoro na sua formação, partido que evitava o medo do comunismo e pregava social-democracia, mas foi se desiludindo com escândalos como a Privataria Tucana, os vexames de Aécio e a oposição brutal ao governo Dilma, ainda que sob blindagem dos jornalões do Folhastão. 

A classe mais conservadora, menos escolarizada, e os liberais de Oslo, como diz o sociólogo Jessé de Souza, que ama o verde, mas prefere não se sujar na política real e possível, foram se unindo no horror a contas em paraísos fiscais para pagar propaganda de campanha e pagamentos de superfaturamento a diretores de estatais, que iam para campanhas partidárias, alimentados por uma imprensa que percebeu que só o moralismo poderia quebrar o programa mais progressista. A distância da exclusão real (falta de escolas, hospitais, transporte, etc.) torna fácil o autoengano que vê o PT e o PSDB como iguais, ou até culpa Dilma pelo vice Temer, que foi escolhido pelo PMDB, que foi escolhido porque tem 66 deputados na Câmara. 

O nível de debate é baixíssimo: pobreza da informação e rebaixamento crítico com o uso de sensacionalismo e calúnias pela mídia. 

A classe média alta e baixa, que só tem como ideologia o medo da mudança, desejo de segurança e o amor à família vota em partidos sem ideologia, cooptados por qualquer lobbysta forte e manipulador.

"O espaço deixado pelos dois principais partidos da base foi ocupado pelas forças políticas que possuíam organização para tal como os evangélicos radicais e a bancada pessoal de Eduardo Cunha, espraiada por diversos partidos como PMDB, PSC, PTB, PP e outros..."
http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FO-Golpe-e-a-Vinganca-do-Presidencialismo-de-Coalizao%2F4%2F36047

28 partidos na Câmara. No Rio, candidato à prefeito com coligação de 22 partidos.

É preciso estudar o "Centrão", que está levando o Brasil pro buraco. O PRB, que possui 22 deputados.

Seu discurso, por exemplo, acha um pecado que gênero seja debatido na educação. De fato, seria algo incomum, mas apenas porque na ditadura falar em "mãe solteira" era crime. A ética da ditadura. A "corrupção" combatida sem percepção do sistema foi usada como bandeira para atacar direitos básicos. 

"Aqui, voltamos à velha discussão que já vem sendo encampada neste país há décadas. Como cidadãos e cidadãs, temos a infelicidade de ver no poder uma corja de políticos absolutamente descomprometidos com a igualdade, a tolerância, o respeito à diferença e, pasmem, à própria racionalidade. O obscurantismo tem sido defendido à luz do dia, e as imagens que vemos de jovens empunhando cartazes contra a “ideologia de gênero” e, pior ainda, reforçando a violência que é uma definição única e imposta de mulher, homem, família, moral etc, é de chocar. (Geledés) 


Ouçamos o PRB:


“Ver Estado e governo querendo influenciar na educação das crianças é algo totalitário. Educar é direito dos pais e ensinar, um dever da escola”, afirma. (O vereador da cidade de Caxias do Sul - RS - Daniel Guerra) informa que, no Plano Nacional de Educação, os referidos termos foram retirados, assim como teria ocorrido no Plano Estadual de Educação (PEE) e no PME da Capital gaúcha. “Será que somente Caxias está certa em manter essas expressões e os outros estão errados?”, questionou o parlamentar do PRB.


http://www.prb10.org.br/noticias/municipios/daniel-guerra-reitera-criticas-mencao-sobre-genero-em-plano-municipal-de-educacao/

Ou nosso amigo Magno Malta, dessa base evangélica que foi virando oposição por ser não entender a modernidade do PT.

"Esse kit vai criar academias de homossexuais nas escolas".
- Ele começou sua fala dizendo que ela (Dilma) não será cassada por ele ou pelos outros senadores, mas sim por Salomão e citou o versículo de Provérbios 16:18 que diz que “a arrogância procede a ruína”. (Gospel Prime)

https://www.youtube.com/watch?v=Hi60kfsrOBI

E isso ocorreu também na Câmara de São Paulo, com 11 milhões de habitantes e cara de metrópole cosmopolita! 

Uma grave distorção do sistema, que surgiu na Constituinte de 1988, foi a estrutura parlamentarista dentro de um modelo presidencialista. O presidente precisa "atrair" o Congresso, com cargos, com emendas, e isso foi piorando na medida em que o programa partidário foi às favas. E Dilma colocou um perfil acadêmico (Mercadante) para realizar essas alianças (pelo menos é honesto, devia pensar). 


"O Golpe Midiático Parlamentar contra a Presidenta Dilma Rousseff representa uma vingança do presidencialismo de coalizão contra as investidas da chefe do Poder Executivo. Logo no começo do mandato destituiu os indicados de Eduardo Cunha em Furnas. 
Outro ataque ao poder dos caciques dos partidos da coalizão foi a nomeação de secretários-executivos para tutelar os ministros indicados politicamente. Isso sem falar na “faxina” que limou da Esplanada importantes líderes políticos como Alfredo Nascimento (PR) e Carlos Lupi (PDT) e o indicado de Michel Temer, o ex-ministro da Agricultura Wagner Rossi."

http://cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FO-Golpe-e-a-Vinganca-do-Presidencialismo-de-Coalizao%2F4%2F36047

Então, suspeita-se que a velha política se cansou. 

"A oposição e Eduardo Cunha não estão aguentando ver os destroços da estrutura da corrupção endêmica que sempre dominou a política brasileira. O que Eduardo Cunha e a banda podre da política querem é desmontar a política de Estado criada pelo Presidente Lula e continuada pela Presidenta Dilma, de combate à corrupção, que está implodindo as bases da estrutura de corrupção no Brasil, levando grandes empresários, banqueiros e políticos inescrupulosos à prisão."

http://www.brasil247.com/pt/colunistas/laurezcerqueira/208270/Banda-podre-da-pol%C3%ADtica-quer-golpe-contra-Dilma.htm

A mídia desmoralizou o PT e ficou fácil mudar de lado e passar ao "conservadorismo" da oposição. Cunha trouxe as pautas mais reacionárias, utilizando-se também de manobras como as Comissões da Câmara. Ameaçar com impeachment - ao mesmo tempo trazendo a agenda das elites mais arcaicas e globalistas, como o ajuste fiscal que congela investimentos - era um jogo irresponsável para evitar uma comissão de ética. E foi alimentado sem freios e com cargos. 
Mas agora, começa a aparecer o caráter sombrio dessa aliança do novo governo. 

“Vão descartar esse PMDB corrupto e retomar as rédeas. As forças que estão produzindo esse golpe têm interesse em uma imagem de eficiência, em uma quase legitimidade, que pode ser tentada pela eleição, pelo parlamento, de um [Henrique] Meirelles da vida, ou de alguma figura que tenha mais carisma e popularidade, e por um parlamentarismo que ponha para andar esses projetos destruidores da Constituição de 1988”, projeta.
http://www.vermelho.org.br/noticia/286435-1


Afonso Lima

segunda-feira, setembro 12, 2016

Avança repressão no Brasil

Vídeos de policiais militares invadindo um bar na Vila Madalena, bairro boêmio da capital paulista, e atacando clientes sem qualquer justificativa estão causando grande repercussão nas redes sociais; os agentes jogaram spray de pimenta, bombas e agrediram clientes e até funcionários do estabelecimento neste sábado 10; ao menos quatro pessoas foram presas
http://www.brasil247.com/pt/247/sp247/254541/Policiais-jogam-bombas-e-atacam-clientes-em-bar-na-V-Madalena.htm

Desacato como crime - “Cumpre ao julgador afastar a aplicação de normas jurídicas de caráter legal que contrariem tratados internacionais versando sobre Direitos Humanos"... O advogado lembra que nas manifestações públicas, nos últimos anos, muitas pessoas têm sido levadas para a delegacia após qualquer confusão. “A polícia leva e não tem como demonstrar quem quebrou tal vidro, por exemplo, e fazem boletim geral de desacato, dizendo que todos desacataram. Isso é uma justificativa de repressão de manifestações públicas”, aponta.
http://jota.uol.com.br/desacato-deve-ser-considerado-crime

Justiça na censura? - Em entrevista à Fórum, o blogueiro afirma que há “uma censura política” no país e diz que os blogs promovem a democracia no Brasil.
Fórum – Qual é o precedente dessa decisão judicial para a liberdade de expressão?
Miguel do Rosário – O meu caso segue uma jurisprudência lamentável. Blogueiros e ativistas digitais têm perdido processos na justiça com frequência, ao mesmo tempo em que grandes veículos têm vencido o mesmo tipo de processo. Há uma desigualdade gritante e inexplicável do Judiciário brasileiro.

http://www.revistaforum.com.br/2015/02/24/temos-que-protestar-contra-tentativa-de-intimidacao-dos-blogueiros-diz-miguel-rosario/

De acordo com Jornalistas Livres, a PM encurralou alguns jovens contra um gradil e começou a revistá-los. "Aqui, o momento em que policiais detêm uma adolescente que apenas exercia o direito garantido na Constituição de se manifestar livremente", diz a legenda da foto abaixo.
http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/09/coletivos-registram-violencia-da-pm-de-sao-paulo-4814.html

sábado, setembro 10, 2016

Simples

desafiando-me a ser

reescrevendo-me, teus vulgares

abraços numa noite fria

não tenho de rima força

dança de ninfa água

é o princípio do mundo

recebe minha poesia primeira

nada posso de conteúdo

nada de chama metafísica

nem forma mágoa ou transfiguração

feita de frutos em botão e pesares

um rouxinol apesar de tudo

são rascunhos de sol na cama

assim como a dor de uma lembrança

calor vão esqueci de tudo

nosso prosaico mar vento e flor

canção de leveza no dia bruto


Afonso Lima


sexta-feira, setembro 09, 2016

O Professor

MundoLivre, aquela cidade com 100 milhões de habitantes, eu era um cara normal. Saindo correndo 3 horas da manhã para chegar no emprego, preocupado com o filho e as queixas da escola, um pouco bravo demais com ele e vendo minha mulher me criticar. Saía do trabalho quase no fim da tarde, bebia alguma coisa.
Comecei a ter um enjoo constante. Eu me sentia oprimido, mas não podia saber o que era. Era como se toda a pergunta que eu viesse a formular já tivesse uma resposta numa prateleira.
Um dia simplesmente parei. Não voltei pra casa. Fiquei sentado numa esquina, em frente a um banco que eu sabia ser dono de metade da cidade. Não respondia os recados. Eu vi um homem andando apressado. Usava um sobretudo.
Estranho, resolvi segui-lo. Desceu a rua da boemia, entrou numa lojinha sórdida.
Entrei atrás.
- Quem é você, ele me perguntou.
Não respondi. Ele me analisou e me fez sinal para descermos até um subsolo.
Abriu uma parede secreta.
Um salão com espelhos, um piano, pilhas de objetos de papel.
- São livros.
- Livros - perguntei. "Intelectuais são idiotas".
- Sei que a escola diz isso. Não se preocupe.
Ele começou a me mostrar alguns deles. Tinham figuras.
- Não sabe decifrar, não é?
Eu não sabia. Aprendera apenas Matemática. "Mais é melhor".
- Volte amanhã. Posso lhe ensinar.
Eu estava confuso. Mas me sentia intrigado e entusiasmado por algum motivo.
- Mundo livre é quando o imaginário é controlado por uma minoria - ele disse.
Eu voltei pra casa. Não pude dormir aquela noite. Livros podem ser a verdade, pensava. Existia a verdade em algum lugar. Apenas as pessoas não buscavam mais.
Nunca imaginei que seria conhecido como O Professor.

Afonso Lima

uma queda

Mina Iza errou o passo
Ota Nega caiu
toda a luz e parangolés se foram
e quis o tempo
que no momento
em que o crespo apanha
do silêncio militante
ave vosso turbante
em marcha cabelo cor
abrindo novo horizonte
da poesia movimento de um tempo
em que povo louco e criança
estavam no descobrimento
chamo a voz de brasilidade
no tempo hoje o Brasil
saudade do futuro mas
esperança no tumulto de nova pele
como a mina linda brasileira
arte polêmica teoria

Afonso Lima



quarta-feira, setembro 07, 2016

Dança chinesa

Estou fazendo poesia da dinastia Tang
Para que a vida não seja reduzida
aos átomos, círculo de aço
Eles também precisam de sonhos
para surgirem e desaparecerem
Agora, o mundo por mim criado
a natureza invisível que guardo em mim
Desces pela rua e fico só
aquela amizade antiga eu deixo ir
Cansado de não compreender
e de suspirar a América
Talvez se fosse chinês
uma taça à lua e danço
São os amigos que deixo achar seu caminho
nessa fome de verdade e poesia
Falso lago e árvores milenares
Algum descer de sol no fim da rua
desprendem-se cachos vermelhos na tarde
uma luz prateada sobre os carros
acumulam-se rosidades sobre os galhos no caminho
o resto é artesanato, rima minha
ou lembrança de história contada
que tudo vem da rua primitiva
da cidade um pouco velha e da fantasia
nem o aboio do bicho no monte
nem o fogo de Outubro épico
aquele tempo mudo de vacas nostálgicas
Meu pincel processado criando canção
de vento, pedra e nuvem

Afonso Lima

terça-feira, setembro 06, 2016

Xadrez dos jogos da Justiça e do MPF

http://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-dos-jogos-da-justica-e-do-mpf
Primeiro, vamos tentar entender características, particularidades, ambições e limitações dos personagens que atuam no lado jurídico da Lava Jato, começando pelo Ministério Público Federal.

A teoria do fato

Um dos grandes feitos recentes do MPF foi a consolidação de uma técnica de investigação chamada de "teoria do fato" – não confundir com o “domínio do fato”.
Consiste em criar uma narrativa inicial, uma teoria inicial que explique o todo. A sistematização da informação facilita na organização dos fatos em torno de uma narrativa lógica.
Mas para ser eficaz - no sentido de se buscar a verdade – a teoria não pode se sobrepor aos fatos. Na medida em que os fatos vão aparecendo, tem que haver ajustes na teoria.
Esse modelo foi introduzido pelo procurador Douglas Fischer, tornou-se sinônimo de sofisticação na investigação e foi adotado pela primeira vez no "mensalão".
Fischer, aliás, foi o autor da livre adaptação da teoria do domínio do fato para condenar os réus da AP 470 – uma interpretação que provocou a indignação do próprio autor, Claus Roxin.
Na verdade, essa teoria do fato é um método intuitivo adotado por qualquer repórter mais experiente.
No fim dos anos 90, após a cobertura da CPI dos Precatórios, o diretor de redação da Folha, Otávio Frias Filho, me pediu sugestões sobre estratégias de cobertura, para serem discutidas internamente.
Para as coberturas extensivas, defendi a necessidade de se montar uma espécie de força tarefa, em uma sala de situação, trabalhando em cima de uma hipótese inicial, assim que os fatos permitissem montar essa hipótese.  Mas alertava: a hipótese tem que ser flexível, para ir se alterando à luz dos fatos que forem sendo levantados; não se pode ficar prisioneiro da primeira versão.
Aliás, a ditadura da primeira versão é a responsável pela maioria dos grandes crimes de imprensa.
No MPF, o pensamento burocrático da corporação, que se organiza em torno de manuais de procedimentos, inverteu: em vez de uma teoria flexível, curvando-se aos fatos, os fatos passaram a se subordinar à teoria. Na medida em que vão juntando depoimentos, os fatos passam a ser encaixados à martelada na teoria, que permanece imutável. O pensamento burocrático não imagina a incompletude da teoria, que precisa ser formada pelos fatos. Imagina que qualquer correção de rotas significaria desqualificar os trabalhos, pois revelando que a hipótese inicial era incompleta. Com isso, deixa de ser teoria para se transformar em ideologia, fé cega, faça amolada.
Genoíno foi vítima dessa irracionalidade.
No mensalão, a teoria do fato defendia a tese da formação de quadrilha. Todos sabiam que Genoíno era inocente, inclusive o PGR Roberto Gurgel. Como presidente do PT, meramente dera um aval burocrático a dois contratos de empréstimo porque o estatuto do partido obrigava a isso. Mas se fosse inocentado, toda a teoria da organização criminosa cairia por terra.
Sacrificaram um inocente, como o próprio Gurgel admitiu, pela manutenção da teoria.
Desde o início da Lava Jato, a teoria do fato definia a existência de uma organização criminosa, chefiada por Lula, distribuida entre o núcleo político, o financeiro e o empresarial. Na verdade, os fatos conhecidos são de uma estrutura de empreiteiras, atuando em obras da União, estados e municípios, e financiando todos os partidos. Bastou uma teoria do fato enviesada para direcionar a investigação.
Esse modelo de atuação explica a perseguição a Lula. E não consegue explicar porque, de repente, aparecem Aécio Neves, José Serra, Aloisio Nunes, Antonio Anastasia, Rodoanel, Cidade Administrativa etc., que não cabiam na teoria do fato inicial. Obviamente houve um viés político na definição da teoria do fato inicial.

A Força Tarefa e o domínio da 1a Instância

Um segundo problema é a tal Força Tarefa.
Quando cedeu às pressões da Lava Jato e criou a Força Tarefa, Janot entregou o processo nas mãos da Lava Jato.
Seus antecessores, Gurgel e Antônio Fernando de Souza nunca criaram Forças Tarefas por uma razão objetiva: é investimento tão elevado que, para justificar o custo, obriga a trazer resultados de qualquer maneira. Então acaba induzindo ao prejulgamento. O MPF não tem liberdade para arquivar, pois o arquivamento significaria admitir que o recurso foi investido em vão. Seria considerado dinheiro jogado fora.
Houve mais problemas.
Janot poderia ter criado a Força Tarefa e centralizado as investigações. Se tivesse mantido a operação em sua mão, por conta do foro privilegiado, teria o comando da operação. Na medida em que tivesse que processar quem não tivesse foro privilegiado, mandaria para 1a instancia.
Com Força Tarefa ocorreu a inversão total. É a Lava Jato que decide o que vai chegar ou não no Supremo. Eles determinam o que entra na agenda.
Embora críticos dos métodos de Sérgio Moro, Ministros do STF nada puderam fazer na fase inicial, devido ao rigor técnico com que Moro vem conduzindo o processo.

O enigma Rodrigo Janot

Tem-se, então, um sistema de investigação que define, a priori, a presunção de culpa, uma Força Tarefa que precisa apresentar resultados a qualquer preço, e uma definição de atribuições que deixou na 1a Instância o controle da pauta podendo, a partir de Curitiba, provocar terremotos em todo o país.
É nesse universo que se move o PGR Janot.
Na sua carreira no MPF, passou ao largo do direito penal e dos grandes temas sociais. Seu campo de atuação era os direitos do consumidor.
Desde cedo, acoplou-se ao grupo dos tuiuiús – os procuradores que reagiram contra as limitações impostas pelo chamado Engavetador Geral da República Geraldo Brindeiro -, trabalhando diretamente com o ex-procurador geral Cláudio Fontelles e com Álvaro Augusto Ribeiro Costa, duas figuras referenciais do MPF. Depois, venceu as eleições para presidir a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).
Essa experiência deu-lhe um conhecimento único da geografia da casa. Internamente é um estrategista com excelente visão da micropolítica, que introduziu modificações relevantes na organização interna da PGR.
Mas, no campo nacional, tem conhecimento escasso da macropolítica, dos impactos das decisões sobre a economia, a política, o emprego, as questões geopolíticas internacionais.
Quando foi o mais votado na lista tríplice, para o público externo era um completo desconhecido. Recorreu ao então a procuradores com mais inserção externa, para os contatos políticos necessários à sua indicação.
Visitou José Dirceu no Hotel Nahoum. Por duas vezes jantou com o então presidente do PT José Genoíno, em uma delas na companhia do subprocurador Eugênio Aragão (último Ministro da Justiça de Dilma), de José Eduardo Cardozo e Sigmaringa Seixas - ex-deputado e o principal consultor de Lula para indicações no meio Jurídico.
No jantar, tornou-se emotivo. Chegou a oferecer sua casa para Genoíno, sabedor das dificuldades por que passava e da inocência dele no caso do "mensalão".
Indicado PGR, na primeira semana mandou prender todos os condenados da AP 470, incluindo o próprio Genoíno. E deu uma bronca em Aurélio Rios, Procurador dos Direitos Humanos, pelo fato de ter ido ao presídio da Papuda conferir se estava tudo bem com os prisioneiros políticos.
Foi a primeira grande decepção dos amigos históricos.
A segunda decepção foi no episódio envolvendo o Ministro Marcelo Navarro. Ex-procurador, ex-desembargador pelo TRF-5. Navarro é uma unanimidade no meio jurídico, pelo conhecimento, conduta e caráter.
Em plena campanha do impeachment, Janot anunciou abertura de inquérito para apurar acusações de indicação política de Navarro em troca de um suposto acordo para votar a favor da libertação de Marcelo Odebrecht.
Navarro sempre foi um garantista. Portanto seu voto a favor da libertação de Marcelo não fugiu à lógica. E nem foi decisivo, pois os demais Ministros votaram a favor da manutenção da prisão. A “denúncia” do acordo partiu de ex-senador Delcídio do Amaral no seu acordo de delação.
Dois detalhes chamaram a atenção dos amigos. O primeiro, o fato do próprio Janot ter sido um dos cabos eleitorais de Navarro. O segundo, suas críticas contra o antecessor Gurgel, por ter desenterrado um inquérito contra Renan Calheiros na véspera das eleições para a presidência do Senado. O factoide Navarro foi empinado em pleno processo do impeachment.
O terceiro, a abertura de processo contra Lula e Dilma por obstrução da Justiça, a partir das conversas gravadas ilegalmente e divulgadas.
Houve uma reunião pesada entre ele, Fontelles, Álvaro e Wagner Gonçalves, ex-presidente da ANPR. Foi uma conversa entre amigos, mas em tom duro.
Primeiro, por ter sido uma escuta ilegalmente divulgada. O segundo pela obviedade de que uma carta de nomeação assinada apenas por Lula, não assinada por Dilma, jamais poderia ser salvo-conduto para quem quer que fosse. Terceira, devido ao fato da ira de Janot ter sido em função de um desabafo de Lula, com críticas a ele em uma conversa informal grampeada.
Na parte mais tensa da conversa, os amigos cobraram isenção e falaram duro sobre a blindagem que mantinha até então sobre Aécio Neves.
Coincidência ou não, foi depois desses entreveros verbais que Janot decidiu investigar Aécio, inclusive tirando da gaveta inquérito sobre as contas em Liechtenstein, parado desde 2010.
Na parte inicial da Lava Jato, teve alguns embates com a Força Tarefa. Em pelo menos um episódio, recuou. Foi quando aceitou fechar um acordo de leniência com uma das empresas. Os procuradores da Lava Jato ameaçaram pedir demissão em bloco, contando com o respaldo das Organizações Globo. Janot recuou.
Em outros momentos, acabou avalizando as iniciativas mais radicais do grupo, como o vazamento ilegal dos grampos envolvendo a presidente Dilma e Lula.
Nos últimos tempos, assumiu uma postura persecutória em relação a Dilma e Lula. E parece ter se revestido de uma enorme confiança em relação ao poder de manejar informações e contar com respaldo da opinião pública – isto é, da Globo.
Na terça, fez sua grande aposta, pedindo a prisão de Renan Calheiros, José Sarney e Romero Jucá. Ou enterra definitivamente o modelo político que emerge das diretas; ou compromete definitivamente a Lava Jato.

O enfraquecimento no Supremo e o fator Gilmar

No Supremo, há três Ministros que não se vergam: Marco Aurélio de Mello, Teori Zavascki e Lewandowski.
A maior surpresa foi Luiz Facchin. Até hoje poucos sabem o que ocorreu com seu voto sobre o rito do impeachment. Contra todas as sinalizações, Facchin apresentou um voto desconjuntado, tão ostensivamente parcial que foi destruído por Luís Roberto Barroso.
Algo aconteceu na véspera. A pelo menos um conhecido, um Fachhin disse que iria explicar o que aconteceu. Não explicou, deixando no ar a certeza de que foi vítima de alguma pressão indevida.
Seu relatório foi destruído pelo colega Luís Roberto Barroso. Há indícios de que a apresentação de Barroso se baseou no relatório original do próprio Facchin – mas são apenas boatos.
Curiosamente, esse recuo de Facchin foi mais uma das vitórias do atrevimento de Gilmar Mendes contra a tibieza de governos petistas.
A primeira grande vitória foi no factoide do grampo sem áudio – a suposta gravação de uma conversa entre Gilmar e o ex-senador Demóstenes Torres. Gilmar blefou em cima de Lula e ganhou a parada: Lula afastou o delegado Paulo Lacerda da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) apesar dos apelos quase desesperados do ex-Ministro da Justiça Márcio Thomas Bastos.
Márcio chegou a procurar a então Ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, pedindo que abrisse os olhos de Lula. A Polícia Federal era constituída de vários grupos políticos, e Lacerda liderava o grupo mais correto e isento. Caindo, seu grupo se enfraqueceria abrindo espaço para o do delegado Luiz Fernando, figura controvertida. Seus conselhos não foram ouvidos e Lacerda foi defenestrado em cima de denúncias falsas. Ali começou a rebelião da PF.
O segundo blefe foi na indicação de Facchin.
Por fora, corria o subprocurador Eugênio Aragão, colega de Gilmar nos cursos que fizeram na Alemanha – consta que foi aprovado com nota superior ao do colega -, pessoa destemida, inclusive nos embates com Gilmar no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Quando, no TSE, Gilmar deu início ao terceiro turno, ameaçando embargar a chapa Dilma-Temer através do expediente da criminalização do caixa 1, foi procurado por Aloisio Mercadante oferecendo uma barganha: se não embargasse a candidatura de Dilma, o governo se comprometeria a não indicar Aragão para o Supremo.
Na ação em questão, Gilmar havia pressionado tão pesadamente os técnicos do TSE para que produzissem um laudo incriminador das contas de campanha, que o resultado foi um laudo cheio de falhas primárias, com dupla contagem de despesas entre outros pecados. Era um laudo tão vulnerável que se pensou ter sido uma retaliação dos técnicos contra as pressões de Gilmar. Quando o relatório de Gilmar foi para a votação, o laudo já tinha sido destruído pelos demais Ministros e pelo procurador eleitoral Eugênio Aragão.
Mercadante entregou de graça uma indicação para o Supremo que poderia ter sido o contraponto às ofensivas de Gilmar.

O embate final

Esses são os jogadores principais.
Há um embate às claras entre a Lava Jato e o STF, com procuradores e delegados pressionando Teori Zavascki através da imprensa. Janot entrou no jogo de pressão, através do provável vazamento dos grampos de Sérgio Machado.
Se concede o que a Lava Jato e Janot querem, Teori confere-lhes um poder ainda maior. Praticamente instaurará a República dos Procuradores.
Por outro lado, não poderá ir contra as provas apresentadas – se de fato forem consistentes, como se pensa – sob pena de desmoralizar a Justiça e, enfraquecendo a operação, dar gás para uma coalizão política barra-pesada.
O fato do Supremo ter chegado a esse impasse é a prova maior da vergonhosa situação das instituições brasileiras, todas elas – Executivo, Legislativo, Judiciário, Mídia, partidos políticos – pequenas, microscópicas para um país que se pretende moderno.

Gás

Um almoço, o aniversário.
O ator barbudo de olhos verdes diz:
- Muito preocupante a situação dos direitos humanos no Brasil. O deputado que fez oposição está sendo indiciado. Expurgo.
A professora negra escuta:
- Minha neta, que faz arquitetura, apanhou da polícia. Ela desceu de um ônibus por causa da manifestação e foi ajudar uma senhora caída na rua. Eu nasci numa época em que a polícia te parava na rua para saber o que você estava fazendo. Eu tinha doze, treze anos.
Uma produtora cultural bebe seu drink e comenta:
- Faz cinco dias que eu apanho direto. A manifestação nem saiu e já voam as bombas! Parece os estudantes! Eles fecharam a rua pra protestar contra os cortes na educação. Doze anos e apanhando.
A professora diz:
- Minha aluna foi morta. Ela saía de casa com o filho, foi subir na moto, o policial mandou ela abrir as pernas pra ser revistada. Ela sabia que eles abusam. Pediu uma policial feminina. Foi executada ali mesmo.
- Nojo! - a produtora fala.
- Essa menina tinha ido parar na instituição por causa de assalto. Com dez anos, pai preso, mãe doente, um tio deu uma arma na sua mão e disse: vai se virar. Ela passou a roubar.

A música sobe, é hora do bolo.

Afonso Lima

sábado, setembro 03, 2016

Ode ao gás lacrimogêneo

Viva o gás lacrimogêneo
Que coroa a democracia
Ninguém pode ficar parado
Viva a correria do estudante
Que denuncia a nobre empresa
Que comanda o Estado

Mas, estão perto as estrelas!
O gás é melhor que o pranto
Da corrupção 
Vivo dormindo desperto
E sorrio pálido de espanto

Gás, você mantém o homem aberto
Ao sistema financeiro
Lá na fonte do Danúbio, onde nasce o dinheiro
Também nasce o gás que controla o distúrbio


Afonso Lima



quinta-feira, setembro 01, 2016

Libertinagens

Estou farto do moralismo militante
Do rapaz informado bem comportado
Do ódio ao funcionário público e medo de não ter comprado o suficiente

Medo daquilo que prega a eterna chama
O eterno certo e por justiça se derrama
Estou farto do artista que vive levitando do chão

Do meio termo injusto
Do babaca emburrado porque não pode ter o carro do ano

Abaixo os que ostentam porque acham que são melhores
Só é que você ficou tranquilo e teu pai pagou uma pós
Todas as palavras sobretudo, as que demarcam mecanicamente a diferença:
estudo, lugar, línguas, coisas

Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo o desprezo ao homem comum

Estou farto de quem acha que a desigualdade é inevitável
E pensa que combater o crime é pensar que o pobre é mau
A libertinagem de ser justiceiro sem justiça

Não quero mais saber da libertação que não é lirismo.

Afonso Lima