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sexta-feira, setembro 22, 2017

"Nuremberg", de Santiago Sanguinetti

A peça Nuremberg, do dramaturgo uruguaio Santiago Sanguinetti, é uma obra no momento certo.
Lindamente dirigida por César Maier, com ótima atuação de Osmar Pereira.
Reflete o repertório do diretor, a capacidade de lidar com textos elípticos e transições rápidas.
O ator tem o desafio de apresentar diversos tons de um neonazista, enquanto tentamos viver na sua pele.
Estamos vivendo uma era em que há confusão entre o fato e o representado.
Uma tela sobre zoofilia é um incentivo à sua prática.
Um filme sobre pedofilia é apologia.
E falar sobre a violência também seria um incentivo.
Essa moral superficial parte do pressuposto de que não temos em nós esse lado escuro. E que ele não acha as melhores justificativas para excluir, julgar, ferir.
O que significa termos um espaço onde podemos treinar ser humano?
Onde podemos observar, temer, refletir?
Além disso estamos vendo as conseqüências de termos uma classe média que sempre viveu como se não existisse 80% da população na pobreza. Como se a pobreza não fosse um problema. Como se a corrupção fosse o maior prolema do Brasil - o combate usado politicamente, uma lei de vale tudo, fora de proporção e de lugar. Como se a Amazônia flutuasse no espaço e não dependesse de um governo progressista - que acaba favorecendo também trabalhadores, indústria nacional e distribuição de renda. Como se as famílias pudessem florescer num ambiente tóxico.
O ódio nasce dessa paralisação, desse isolamento, e até dessa discussão dos direitos humanos na bolha vanguardista (na ausência do poder institucional), que, ao chegar ao público, cria um discurso de "isso me ofende", "pra que mudar"?
Os pobres de direita são reflexo também desse abandono promovido pelo capitalismo-catástrofe que reduz investimento público e pensa apenas em como criar leis que possibilitem mais lucro e menor salário. Como poderiam entender seus problemas se a educação é rompida para que se evite apontar o dedo para quem está pagando pouco imposto e gerando cidades segregadas (bairros floridos e bairros degradados)?
Gosto muito da iluminação da peça.
O diretor ouve o texto e lhe dá várias cores.
O ator também usou de técnica para falar alto sem irritar nossos ouvidos.
O tom sombrio da peça nos lembra que Nuremberg não está distante.
Que nossa classe média está cheia de herdeiros que receberam o medo do comunismo na veia e têm preguiça de pesquisar o que é verdade.
Que todo estudante de economia pode chegar a posições fundamentalistas apenas porque desconhece o todo.
Enfim, uma escolha que mostra a independência de espírito e a reflexão sobre o agora dos artistas envolvidos, que nos alertam para um perigo real.

Afonso Jr. Lima



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